O governo de Minas Gerais fechou por tempo indeterminado o bloco cirúrgico do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Com a justificativa de que “os equipamentos estão em manutenção”, a equipe de servidores e os pacientes do bloco operatório foram transferidos para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, junto com o encargo de 200 cirurgias mensais. Ou seja, além de atender mais de mil pacientes de urgência e emergência por mês, servir de referência para politraumatismos, queimaduras, intoxicações e cirurgias de risco, e ser a principal unidade de atendimento a tragédias com múltiplas vítimas em Minas Gerais – como o acidente na BR-116 que deixou 41 mortos –, o João XXIII também assumiu integralmente os procedimentos do bloco cirúrgico de outra unidade. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais oficiou o governo de Minas sobre a situação nessa segunda-feira (6 de janeiro).
Servidores denunciam que pacientes aguardam até duas semanas por uma oportunidade de cirurgia, correndo o risco de agravamento do quadro de saúde. A sobrecarga preocupa especialistas, que temem o esgotamento da capacidade de resposta do João XXIII. A transferência coloca o Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) em uma função oposta à sua responsabilidade, que é desafogar o pronto-socorro. O HMAL é uma unidade de retaguarda do João XXIII, responsável por cirurgias de traumato-ortopedia e bucomaxilofacial, com a maioria de seus pacientes sendo vítimas de acidentes de trânsito. Desde o final de dezembro, no entanto, o hospital ou a somar serviço ao pronto-socorro.
“Sobrecarregou. O correto é que o Amélia (HMAL) receba pacientes do João XXIII quando ele está no nível 3, lotado. Agora, como está tudo junto, todos os pacientes precisam ser encaixados na escala de um único bloco cirúrgico. O paciente eletivo é remarcado uma, duas, três, até cinco vezes. Temos enfermos que aguardam até 14 dias pelo procedimento. Aumentou o tempo e o gasto com as internações, sem falar no risco de infecção”, desabafou um trabalhador da equipe de saúde do HMAL, sob condição de anonimato.
Arquivo pessoal
A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) não detalhou que tipo de manutenção está sendo realizada no bloco cirúrgico da unidade, nem explicou por que a interdição total é necessária ou quando o atendimento será normalizado. A falta de respostas resultou, nessa segunda-feira (6 de janeiro), em um ofício solicitando a “apuração urgente das circunstâncias do fechamento do bloco cirúrgico”, assinado pelos deputados Leleco Pimentel e Padre João, e encaminhado ao Secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti. Há expectativa de que o tema motive uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nos próximos dias.
“Há uma preocupação entre os servidores. O João XXIII não tem capacidade para assumir mais essa demanda, especialmente de um bloco cirúrgico importante, que é seu principal e. O resultado imediato é o aumento ainda maior da fila de espera por cirurgia, o que significa mais macas nos corredores”, ressalta Neuza Freitas, diretora executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG).
Apesar das denúncias de demora no atendimento, a Fhemig crava que os procedimentos levados ao João XXIII “são de baixa complexidade e curto tempo de internação, entre 24 e 48 horas” e que “não houve nenhum prejuízo para os pacientes”. “Após a cirurgia, o paciente retorna para o HMAL para recuperação até o momento da alta. O Hospital João XXIII possui 8 salas em seu bloco cirúrgico, com capacidade plena para atender às demandas do próprio hospital e as encaminhadas pelo Hospital Maria Amélia Lins, sem qualquer prejuízo assistencial”, afirmou.
Segundo o trabalhador do HMAL, o sentimento entre os servidores dos dois hospitais é de aflição. Ele afirma que, devido à sobrecarga, funcionários estão sendo deslocados para outras funções fora do bloco cirúrgico do João XXIII. “Psicologicamente, a equipe está abalada. Técnicos que atuam há 30 anos na rotina do Amélia Lins, no bloco operatório, chegam ao pronto-socorro e são remanejados para outras funções. O bloco do João XXIII já possui equipe própria e não comporta as duas ao mesmo tempo. Além disso, embora o serviço seja o mesmo, a rotina nos dois hospitais é completamente diferente”, diz.
O Hospital de Pronto-Socorro João XXIII tem sido a principal referência para o atendimento a desastres com múltiplas vítimas na Grande BH e em todo o Estado. A unidade conta com um plano de remanejamento de equipe e gestão de leitos específico para esse tipo de situação, utilizado, por exemplo, na ruptura da barragem em Brumadinho e, mais recentemente, no acidente com dezenas de mortos na BR-116, em Teófilo Otoni. A capacidade de resposta do hospital a tragédias, no entanto, pode ser comprometida pela sobrecarga do bloco cirúrgico, segundo análise de Fausto Pereira dos Santos, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e pesquisador da Fiocruz Minas.
“O ideal seria ativar parte da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado e articular com a prefeitura de Belo Horizonte outras soluções. Mas, com os pacientes sendo transferidos apenas para o João XXIII, o risco é de acontecer um esgotamento da capacidade de assistência a pacientes mais graves e de resposta a grandes desastres, que é a atual vocação do pronto-socorro”, pondera Pereira dos Santos.