IMPACTOS

Cinco anos depois, Covid deixa rastro de adoecimento mental e ainda desafia saúde pública em BH

O número de pacientes com problemas de saúde mental quase triplicou na capital mineira após o período de crise sanitária

Por Gabriel Rezende e Rayllan Oliveira
Atualizado em 29 de março de 2025 | 08:31

Cinco anos se aram desde que a primeira morte por Covid-19 foi confirmada em Belo Horizonte. A idosa Marlene Eunice Vanucci, de 82 anos, faleceu, vítima da doença, no dia 29 de março de 2020. Ela foi a primeira das mais de 8.000 vítimas do vírus que chegou à capital mineira de forma "silenciosa" e implicou em novas formas de vivência. As perdas de pessoas próximas e o isolamento social forçado durante o período pandêmico para conter o aumento de casos afetaram a forma de as pessoas se relacionarem  e deixaram como “herança” o adoecimento mental para uma camada da população: em BH, o número de pacientes com esse quadro de saúde quase triplicou.

Conforme levantamento da Secretaria Municipal de Saúde, foram 240.555 em 2024, número 187% maior que os 83.620 de 2019, ano que antecedeu o período de crise na saúde pública. "Posso dizer que convivo com as consequências da Covid desde 18 de maio de 2021, que foi o dia que o meu pai teve os primeiros sintomas. Além da saudade dele, tenho compulsão alimentar e preciso de acompanhamento com psicólogo. Foi tudo muito traumático", expõe a analista de recursos humanos Lidyane Lima Silva, de 39 anos.

O pai de Lidyane morreu no dia 24 de junho, cinco semanas após ser hospitalizado. Aos 68 anos, ele não resistiu ao avanço da doença, que se intensificou devido às comorbidades. “ei todo esse período trancada com ele em um quarto branco. Ver ele perder essa luta, me doeu muito. Ele tinha falta de ar e aquilo era desesperador. Isso era ainda pior quando as pessoas que não acreditavam, zombavam imitando falta de ar. Elas só não consideravam que estavam imitando o sofrimento do meu pai", desabafa. Além de Lidyane, a mãe dela também ou a conviver com sequelas do período pandêmico. “Foram 47 anos casados. Hoje, o consumo de álcool da minha mãe aumentou muito”, conta.

A primeira foto mostra o Lidyane Lima Silva ao lado do seu pai; a segunda imagem mostra o último encontro entre os pais de Lidyane - Foto: Arquivo Pessoal

O levantamento da secretaria de saúde de BH considera os atendimentos de crianças, adolescentes e adultos nos 16 equipamentos públicos de atenção à saúde mental na capital mineira, além dos acompanhamentos nos 153 centros de saúde. Em 2025, segundo a pasta, foram 52.079 atendimentos em toda a rede até o dia 19 de março — a média é de 667 por dia, ou seja, pelo menos 27 por hora. Os números compreendem atendimentos de pacientes em sofrimento psíquico e/ou com transtorno mental severo e persistente e pessoas em uso prejudicial de álcool e outras drogas.

"Essa se tornou uma demanda crescente na rede, exigindo repensar as formas de financiamento para poder garantir esse e. O fortalecimento desses serviços é necessário não apenas para cuidar dos pacientes, mas para atuar de forma preventiva", expõe o secretário municipal de saúde de Belo Horizonte, Danilo Borges Matias. Para a psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), Cristiane Nogueira, o adoecimento mental coletivo tem como uma das causas as incertezas sociais e econômicas trazidas pela pandemia. “A insegurança ainda persiste, e a ansiedade se tornou a protagonista do nosso período de vida atual”, avalia.

A incerteza econômica

Em Minas Gerais, conforme a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 3.500 empreendimentos de alimentação fora do lar haviam fechado as portas nos primeiros dez meses de crise sanitária. O número de postos de trabalho na área caiu 58%, ando de cerca de 72 mil para 30 mil. “De 26 colaboradores, amos a ter 12”, conta o empresário Saulo Vidigal, de 33, sócio-proprietário do Saboreando Restaurante, no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste da capital. O estabelecimento, criado pelo pai dele, há 34 anos, que operava com o modelo self-service, ou a atender via delivery. “O período foi conturbado. Estávamos com boas perspectivas de crescimento, mas tivemos que reduzir a operação”, lembra.