VIOLÊNCIA EM CENTROS DE SAÚDE

Alta demanda e esgotamento aumentam violência em postos de saúde de BH; agressões crescem 51% 6hpa

Na última semana, em 24h, três casos de violência foram registrados em centros de saúde da capital mineira; especialista aponta causas 2z5f59

Por Maria Cecília Almeida
Publicado em 22 de maio de 2025 | 06:00
 
 
Centro de Saúde Vila Maria, bairro Jardim Vitória, região Nordeste de BH Foto: Maria Cecília Almeida

De um lado, pacientes exigem rapidez no atendimento; do outro, profissionais relatam esgotamento físico e psicológico. Ambas as partes apontam conflitos que resultam no aumento da violência nos centros de saúde da capital mineira. Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), os casos de agressão nessas unidades cresceram 51%: foram 77 registros em 2023, contra 116 em 2024. Entre janeiro e abril deste ano, já foram registradas 34 ocorrências.

Para o especialista em criminalidade e segurança pública Arnaldo Conde Filho, a violência nos centros de saúde reflete uma questão estrutural e social mais ampla, que vai além da segurança. “Assim como em hospitais, esses não são ambientes de pessoas felizes. Quando há frustração com o atendimento, muitos recorrem à agressão. A comunicação é essencial: o paciente precisa entender o que está acontecendo, o que pode acontecer e quando será atendido”, explica.

Enquanto usuários reclamam da demora e da falta de acolhimento, os profissionais denunciam a precariedade estrutural, os baixos salários e as más condições de trabalho. Para a diretora executiva do Sind-Saúde/MG, Neuza Freitas, há uma ligação direta entre essas dificuldades e a violência sofrida pelos trabalhadores. “Muitas vezes, o trabalhador não consegue realizar o número de atendimentos por falta de pessoal. No Estado, há hospitais em que profissionais assumem dois ou três setores. Eles não dão conta e não conseguem oferecer um atendimento digno. Consequentemente, acabam sendo agredidos”, afirma.

Segundo Conde, apenas reforçar a segurança não resolve o problema. “Não adianta aumentar o número de seguranças sem treinamento em comunicação, acolhimento e manejo de pessoas em crise. É preciso um preparo diferenciado para lidar com esse público”, defende. Ele também destaca a necessidade de políticas públicas que melhorem os serviços essenciais, como saúde, educação e transporte, para reduzir tensões sociais. “Serviços de saúde, educação e transporte de qualidade reduzem a tensão social”, conclui.

Centros de saúde enfrentam medo, tensão e atrasos em atendimento 6e6s60

Nessa terça-feira (20 de maio), a reportagem esteve no Centro de Saúde Vila Maria, no bairro Jardim Vitória, região Nordeste de Belo Horizonte, onde houve uma ameaça com arma de fogo, e no Centro de Saúde Vila Pinho, na região do Barreiro, onde um médico foi agredido por um paciente — ambos os casos ocorreram na sexta-feira (16 de maio). Durante as visitas, a reportagem não se deparou com patrulhamento da Guarda Civil Municipal. Na unidade Vila Pinho, havia apenas um agente da Guarda presente, mas fora das áreas de recepção e atendimento.

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que os agentes da Guarda Civil Municipal circulam por todas as unidades, mas não mantêm presença fixa na recepção ou portaria. A prefeitura também informou que existe o programa Patrulha SUS, que determina a presença de duplas de guardas em viaturas, realizando rondas preventivas nas unidades de saúde e em seu entorno.

Funcionários relatam viver sob constante tensão. “Soubemos depois que a arma era de brinquedo, mas a gente prefere não pagar para ver. As réplicas são muito parecidas com as reais, não sei diferenciar”, disse uma funcionária que pediu anonimato. “Alguns pacientes já chegam agressivos. A ameaça virou rotina. Dá medo até pelo segurança. Vai que a pessoa resolve voltar para se vingar?”, disse outra profissional da unidade Vila Maria.

Além da violência direta, há episódios de hostilidade crescente. “Às vezes, um gesto simples é mal interpretado. Um paciente esqueceu um papel, e, quando a técnica foi devolver sorrindo, ele achou que estavam debochando e a ameaçou”, contou uma trabalhadora. “Eles também não compreendem o funcionamento dos processos. Muitos se irritam quando há prioridade para gestantes ou quando a farmácia fecha temporariamente para organização”, relatou.

Qualidade do atendimento não é unanimidade 

Os pacientes entrevistados pela reportagem durante a visita aos centros de saúde apresentaram impressões diversas com relação à qualidade dos atendimentos. “Tive um AVC há alguns anos e só me consulto aqui desde então. Consigo pegar os remédios também. Aqui é uma beleza, não tenho do que reclamar”, elogiou a aposentada Marli Estevão, de 57 anos.

Já outro paciente reclamou da demora. “Mudei há três meses e estou aqui desde às 9h. Já são 3h30 de espera”, contou um morador da região que não quis se identificar, com sintomas de febre e vômito.

Na unidade Vila Pinho, a diarista Ana Vitória, de 25 anos, esperava atendimento para a filha de dois anos e revelou que sempre foi atendida rapidamente na unidade. “Soube do caso do médico espancado e que ele pediu transferência. Hoje ele chegou atrasado, mas, geralmente, o atendimento é rápido”, afirmou.

Outra mãe, que preferiu não se identificar, afirmou que prefere procurar diretamente a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), por considerar o atendimento mais ágil. “Aqui demora muito, faltam médicos e, às vezes, nos tratam com descaso. Já me mandaram embora dizendo que não podiam me atender”, reclamou.

O auxiliar de produção Luan Franco, de 23 anos, que buscou atendimento por sintomas gripais, relatou que já presenciou descaso com pacientes no local. “Já aconteceu de pedirem para os meus pais voltarem no outro dia. Os exames e as consultas demoram muito. E já vi paciente sendo tratado com ignorância”, afirmou.

Uma idosa de 89 anos, que pediu anonimato, elogiou a postura da equipe, apesar da demora. “Demora, mas os médicos são bons e atenciosos. Vim poucas vezes, mas gostei”, disse.

Falta de gestão agrava crises respiratórias, diz sindicato

Mesmo após a pandemia, os colapsos nos atendimentos por doenças respiratórias continuam em Minas Gerais. Para a diretora do Sind-Saúde/MG, Neuza Freitas, a explicação está na falta de planejamento do poder público. “Todos os anos, nesse período, sabemos que há aumento de casos. Mas o governo não se previne, como não se preveniu durante a pandemia, mesmo com alertas da Ásia e Europa. Faltaram equipamentos, estrutura. E o mesmo se repete agora, com síndromes respiratórias e dengue. Sabem que vai piorar, mas não se preparam”, concluiu.

A reportagem solicitou posicionamento ao Estado, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição

Relembre os casos

Belo Horizonte registrou em 24 horas três ocorrências de violência em centros de saúde na última semana. Entre os casos — registrados entre a última quinta-feira (15 de maio) e esta sexta (16 de maio) — estão agressão a um médico, ameaça com arma de fogo e vandalismo com cadeiras.

Na sexta-feira (16 de maio), um médico foi violentamente espancado por um paciente, no Centro de Saúde Vila Pinho, na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Segundo uma servidora ouvida na data do ocorrido, o homem teria batido na cabeça do médico, o jogado no chão e desferiu chutes também. 

Os outros dois casos ocorreram na quinta-feira (15 de maio), um no Centro de Saúde  Vila Maria, no bairro Jardim Vitória, região Nordeste de Belo Horizonte, onde um homem ameaçou profissionais da saúde com uma arma de fogo. Segundo a PBH, o paciente procurou a unidade com dores no braço. Ao ar pela triagem foi observado que ele havia fraturado o braço. Devido a gravidade, ele foi orientado a ir para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), para fazer uma radiografia e a devida imobilização. O acompanhante do paciente não aceitou e ameaçou a equipe com uma arma de fogo. Ele foi localizado próximo a unidade e conduzido à delegacia.

Já o outro caso, ocorreu no Centro de Saúde Copacana, na região da Pampulha. Segundo relatos de trabalhadores da unidade, causou uma quebradeira na unidade com uma cadeira, após ser informada de que sua consulta com um ginecologista teve que ser remarcada. O agente da Guarda Civil Municipal, que estava na unidade, atuou na ocorrência e a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) foi acionada e encaminhou a mulher à delegacia.

O que diz o Estado?

A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), está ampliando a capacidade de atendimento em unidades estratégicas, para fortalecer a rede hospitalar diante do aumento dos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). 

Somente nas últimas semanas, 30 novos leitos já foram abertos, incluindo 18 de terapia intensiva adulto e neonatal) e 12 de cuidados semi-intensivos no Hospital Infantil João Paulo II.

No Hospital Júlia Kubitschek, já estão em funcionamento dez leitos de UTI neonatal e quatro leitos de UTI adulto. A previsão é que mais leitos de UTI adulto sejam ativados nos próximos dias, ampliando ainda mais o e aos pacientes graves.

Na Maternidade Odete Valadares, foram abertos quatro leitos de UTI neonatal, e outros de cuidados intermediários serão abertos nos próximos dias.

Além disso, com a chegada de novos profissionais por meio do chamamento emergencial, a SES-MG vai abrir, na próxima semana, leitos de UTI pediátrica no Hospital João XXIII. Ao todo, serão disponibilizados  54 novos leitos, garantindo mais acolhimento, agilidade e qualidade no atendimento à população.

O que diz a PBH? Confira o posicionamento na íntegra:

"A Prefeitura de Belo Horizonte informa que tem investido na melhoria da infraestrutura das unidades de saúde de forma contínua - já foram entregues 53 centros de saúde totalmente reconstruídos por meio de Parceria Público-Privada (PPP) e, até o fim deste ano, serão mais quatro unidades. Em 2026, serão mais 12 unidades entregues. 

No total, a capital contará com 69 equipamentos prontos para beneficiar cerca de 780 mil pessoas. O modelo de PPP adotado na capital mineira é referência no país e prevê que as obras, os serviços não assistenciais e a manutenção das unidades fiquem sob responsabilidade da parceria privada. Já o atendimento aos usuários segue a cargo da Secretaria Municipal de Saúde, com a prestação de 100% do serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura esclarece que investimentos vêm sendo feitos na manutenção, adequação e conservação dos centros de saúde da capital para aperfeiçoar as condições de trabalho dos profissionais da área da saúde e melhorar o atendimento com mais conforto e dignidade aos usuários, de forma contínua. Somente neste mês, foi aberta licitação para manutenção de cinco centros de saúde:  Glória (Noroeste), Waldomiro Lobo (Oeste), Vista Alegre (Oeste), Regina (Barreiro) e Padre Fernando de Melo (Nordeste), num total de R$ 1,3 milhão a ser investido em melhorias.

Também na região Oeste, o Centro de Saúde Vila Leonina teve reforma iniciada este mês, com melhorias na infraestrutura da unidade, totalizando cerca de R$ 400 mil em recursos. Também neste mês, a PBH deu início à reforma do prédio localizado na esquina das ruas Paracatu e dos Goitacazes, no Barro Preto, para atendimento especializado em saúde bucal, atuando como continuidade ao cuidado ofertado aos usuários encaminhados pelos 153 centros de saúde. Os Centros de Especialidade Odontológicas Paracatu e Centro-Sul, juntamente com o Centro de Atendimento Liminar, arão a funcionar nesta edificação que receberá R$ 7,7 milhões em adequações e manutenção de sua infraestrutura.

Sobre a questão que enfatiza o planejamento do município frente às sazonalidades, informamos que a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) realiza o acompanhamento sistemático do cenário epidemiológico, da demanda assistencial e da capacidade de atendimento. O município conta com planos de enfrentamento às doenças respiratórias e às arboviroses, que historicamente são períodos de maior pressão assistencial na rede SUS-BH. A SMSA reforça que os planos são revisados anualmente e elaborados com base nos indicadores assistenciais do município e, sempre que ativados, as ações são implementadas de forma gradativa, com o objetivo de garantir a assistência adequada aos usuários.

Quando necessário, também é publicado decreto de situação de emergência, o que permite que a capital receba mais recursos dos governos federal e estadual, reforce a contratação de profissionais, amplie o horário de funcionamento das unidades de saúde, abra novos serviços para atendimento da população e tenha mais agilidade no processo de compra de equipamentos, insumos e medicamentos.

No que se refere à questão sobre o quadro de servidores no sistema municipal de saúde, a SMSA trabalha rotineiramente para recompor equipes, uma vez que a distribuição de pessoal muda diariamente, devido a desligamentos, demandas temporárias e movimentações internas. Em março deste ano, foi publicado edital do novo concurso público para provimento de cargos efetivos na área (https://dom-web.pbh.gov.br/visualizacao/ato/458977), com mais de 580 vagas. Cabe destacar que as nomeações do Concurso Público Edital 01/2020 tiveram início em 2022 e, desde então, foram realizadas, ao todo, 3.785 nomeações na área da saúde. 

Além disso, as contratações istrativas são mantidas para atender a demandas emergenciais, como epidemias (como a de dengue) e o período de maior incidência de doenças respiratórias. Para esta gestão, o município conta com um banco de currículos aberto para contratações temporárias, incluindo médicos. Interessados podem realizar o cadastro no portal da PBH. Referente às questões salariais e de valorização dos trabalhadores, a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão informa que, anualmente, realiza negociações com as entidades representativas dos servidores municipais, resultando em reajustes salariais e revisões de carreira.

Nos últimos anos, a PBH implementou importantes avanços, como a criação de promoções com ganhos para os cargos de técnico de serviços de saúde, agente de serviço de saúde, enfermeiro, cirurgião-dentista e técnico superior de saúde. Também foram promovidas melhorias no plano de carreira da Medicina, com avanços nas progressões por escolaridade. Neste ano, novas demandas estão sendo analisadas pela gestão, com previsão de retorno das discussões a partir de junho. 

Sobre a segurança, esclarecemos que as unidades de saúde contam com fluxo de abordagem a episódios de violência, que orienta o trabalhador e/ou usuário nessas situações. Esse protocolo define quais providências tomar e quem acionar em cada tipo de violência. Além disso, os servidores podem contar com o acompanhamento sociofuncional ofertado pela Secretaria Municipal de Saúde, destinado aos agentes públicos da rede SUS-BH que apresentem instabilidade no trabalho por intercorrências diversas, como conflitos, problemas de adaptação, adoecimentos físicos e/ou psíquicos adquiridos ou agravados no contexto laboral, recomendações médicas e outras situações que interfiram no pleno desempenho.

A Prefeitura reforça que os centros de saúde têm equipamentos de segurança eletrônica, como câmeras e alarmes, que são acionados para cada ocorrência denunciada. Já o monitoramento pelo Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH) é realizado com o objetivo de acompanhar, sete dias por semana, durante 24 horas, as unidades de saúde por meio de câmeras de segurança, coordenadas por plantonistas treinados e capacitados. A Guarda Civil Municipal esclarece que os agentes da GCMBH atuam nos centros de saúde e nas UPAs e realizam também o patrulhamento (Patrulha SUS) em todas as regiões da cidade. Além da cobertura regional e apoio operacional na prevenção à violência, a Patrulha SUS também atua na pronta resposta a ocorrências."

Como denunciar problemas em centros de saúde de BH

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), informou que em casos de reclamações e críticas sobre os atendimentos, deve ser realizado o contato com a Ouvidoria da PBH pelos seguintes canais de atendimento:

  • Pelo aplicativo:

Utilize o PBH APP, disponível nas lojas:

Play Store

App Store

  • Por telefone:

Central de Atendimento Telefônico – 156

Atendimento de segunda a sexta, das 7h às 19h (exceto feriados)

  • Presencialmente:

BH Resolve – Central de Relacionamento Presencial da Prefeitura de Belo Horizonte

Endereço: Rua dos Caetés, 342 – Centro, Belo Horizonte/MG

Atendimento: de segunda a sexta, das 8h às 17h

Agendamento obrigatório clicando aqui. 

Já em caso de agressões ou discussões, o contato deve ser imediato com a Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte, através do telefone 153.