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Moda do bebê reborn junta arte, colecionismo e afeto
Entenda quando hobby pode ser sinal de transtorno
Por trás dos olhos vidrados e dos traços hiper-realistas dos bebês reborn, há um universo complexo que mistura arte, colecionismo, afeto e, muitas vezes, acolhimento emocional. Para a babá Thaís Almeida, de 48 anos, que mora em BH e coleciona os itens desde 2019, trata-se de algo muito profundo e consciente.
O encanto dela pelas bonecas reborn começou quando ela viu a primeira, na casa de uma amiga. Thaís, então, juntou moedas em um cofre até conseguir comprar uma, a quem deu o nome de “Valentina”. “Sou apaixonada (por bonecas) desde criança. Minha mãe teve dez filhos e não tinha condições de comprar bonecas”, comenta.
Atualmente, Thaís tem 35 bebês reborn, cada um com nome, guarda-roupa, cheirinho de bebê e produtos específicos para os cabelos. “Cuido deles como artigos de coleção”, diz. "Tenho amigas que eram depressivas e, desde que começaram a colecionar (bebês reborn), viram sentido na vida. A gente se apoia. Não somos loucas como todo mundo fala. É apenas um hobby, e somos felizes", completa.
Os itens são um fenômeno. Somente em uma loja no Barreiro, em BH, onde cada bebê custa entre R$ 500 e R$ 4.000, o negócio rende faturamento médio mensal de R$ 40 mil. E tratar essa realidade como um transtorno é erro comum, segundo o psicólogo clínico Marcelo Fontes. “Reduzi-la a um transtorno é um gesto patologizante que diminui sua complexidade. Mais importante do que diagnosticar é escutar: o que esse boneco representa para aquela pessoa?”, diz.
Segundo o especialista, o comportamento só se torna preocupante se houver sofrimento contínuo, isolamento ou paralisia da vida: “Mesmo nesses casos, o boneco pode ser um sintoma, não uma causa. O importante é entender o contexto”.
Ele reforça que, embora estudos científicos ainda sejam recentes, há relatos de mulheres que, durante processos de luto ou infertilidade, encontraram conforto simbólico nas bonecas.
Thaís, que é a de um grupo de “mamães reborn”, concorda com ele. Ela conta que as bonecas ajudaram várias delas a voltar à vida. “Tem gente que não saía de casa, estava em depressão. Hoje participa dos encontros. Nos unimos, acolhemos todas”, diz.
Explicação do termo. No contexto do termo “bebê reborn”, a palavra “reborn” significa “renascido”. O termo descreve a transformação, por artesanato e arte, de uma boneca comum em uma bem parecida com um recém-nascido.
Mobilização até na política
De forma diferente de Thaís, que garante entender que os bebês reborn são apenas bonecas, alguns usuários de redes sociais aram a mostrar sua rotina com as bonecas, simulando comportamentos de bebês reais, com episódios de choro e alimentação por mamadeira por exemplo. Em Janaúba, no Norte de Minas, uma criadora de “conteúdo infantil fictício” viralizou após mostrar vídeo em que supostamente teria levado seu bebê reborn a um hospital.
Diante da popularização dos casos, deputados federais começaram a se movimentar para criar normas para a prática. Neste mês, ganharam repercussão na Câmara textos que miram desde a proibição dos bonecos em unidades públicas e privadas de saúde até a imposição de multa para quem usar um bebê reborn para conseguir benefícios ou atendimento preferencial.
Outro projeto trata do acolhimento psicossocial de quem tem vínculo afetivo com a representação de um recém-nascido.
Coleções femininas vistas com preconceito
Apesar da leveza da babá Thaís Almeida em tratar do assunto, ela conta que frequentemente é alvo de preconceito por colecionar reborns. “Já disseram que eu era louca, frustrada, que não tinha família. Mas eu tenho duas filhas, sou casada há 30 anos. É um hobby que eu escolhi, tenho consciência de que são somente bonecas, não bebês reais”, afirma.
Esse tipo de reação tem a ver com o que o psicólogo clínico Marcelo Fontes define como o viés machista com que o colecionismo feminino é tratado. “Homens que colecionam bonecos da Marvel são vistos como geeks. Já mulheres que cuidam de reborns são chamadas de ‘instáveis’. Isso revela o desprezo social pela sensibilidade feminina e pela afetividade”, justifica.
Ainda de acordo com o especialista, o incômodo social com a popularização dos bebês reborn pode ter raízes mais profundas: “O problema não é o reborn, mas o que ele sustenta ou camufla. Em muitos casos, ele é apoio. Em outros, é linguagem. E, em todos, comunica algo”.