O desejo de impedir que os peixes gigantes — antes abundantes nas águas do Velho Chico e que marcaram sua infância — se transformassem em lendas ou “histórias de pescador”, motivou o empresário Junio Costa a largar sua profissão e empreender. A Verde Acqua, localizada em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, surgiu como uma startup que aposta no cultivo integrado de peixes e plantas para reduzir os impactos da pesca e do uso de fertilizantes no meio ambiente. Dados obtidos por O TEMPO junto ao Sebrae indicam que as startups de “impacto socioambiental” cresceram 57% em Minas Gerais, ando de 14, em 2023, para 22 no ano ado. As iniciativas superaram, inclusive, as “agrotechs”, startups voltadas exclusivamente para o agronegócio, que, ao lado da mineração, é um dos pilares da economia do Estado. Juntos, o agro e a indústria mineral são responsáveis por mais da metade da emissão de gases de efeito estufa nos 853 municípios mineiros, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o que torna os setores alguns dos principais “clientes” destas startups.

O “boom” do empreendedorismo verde, com iniciativas conhecidas como “green techs”, acontece frente à maior consciência social do cenário catastrófico causado pelo aquecimento do planeta, o que tem estimulado a busca por soluções para os impactos. Para Agmar Abdon, analista do Sebrae Minas, o aumento está relacionado à oportunidade de negócio. “Quando a gente olha para os setores alvo destas startups, o agronegócio, por exemplo, é um que atrai muitas oportunidades”, destaca. Um relatório produzido pelo Sebrae analisou dados colhidos em todo o país e apontou que o agro é o segundo principal setor de atuação das startups de impacto (10,88%), logo abaixo da educação (13,53%). Em seguida, aparece o setor de indústria e transformação, com 7,43% destas iniciativas.

O professor de desenvolvimento de baixo carbono da Fundação Dom Cabral, Fábio Nogueira de Avelar, pontua que esse crescimento das green techs tem relação com a Agenda 2030, que é o plano de ação da Organização das Nações Unidas (ONU) que traz 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas para “tornar o mundo um lugar melhor” em um intervalo de 15 anos que chega ao fim daqui a cinco anos. “Um destes objetivos tem a ver com a possibilidade de se monetizar benefícios climáticos, associados ou não ao mercado de carbono, que, talvez, seja um dos itens da Agenda 2030 que tem o maior potencial de monetização. Isso acaba criando um incentivo para que a economia como um todo pense em soluções para estes problemas socioambientais”, afirma. 

Ainda segundo ele, outro ponto com grande potencial e que pode ter influenciado no aumento destas iniciativas socioambientais é a crescente busca por soluções para mensurar e medir essas variáveis ambientais. “Todas as empresas precisam de mecanismos para melhor gerir seus impactos socioambientais positivos e negativos, o que a pela criação de softwares e sistemas. E as startups são organizações mais propensas a este tipo de inovação. Este é um ambiente propício para quem tem criatividade, conectando essa pressão pela melhor gestão socioambiental às inovações, no contexto empresarial”, destaca Avelar.

As hipóteses levantadas pelo especialista são corroboradas pelo levantamento feito pelo Sebrae. O relatório destaca que a grande maioria destas iniciativas verdes (79%) são voltadas para a resolução de problemas relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade, sendo 65% delas com foco na mensuração dos impactos socioambientais. Entre as principais soluções buscadas por estas empresas, estão a reciclagem e gestão de resíduos (18,7%); redução de emissão de gases de efeito estufa (18,33%); uso sustentável de recursos naturais (17,59%); e a produção agrícola sustentável (11,48%).

Boa parte destas soluções fazem parte dos ideais da Verde Acqua, que, hoje, afirma ter resíduo zero em sua produção. A startup surgiu com a proposta de entregar cestas de hortaliças e pescados por para moradores da Grande BH. Porém, com o tempo, o sistema se provou inviável e, por isso, a empresa mudou os rumos, reduzindo o número de produtos cultivados Atualmente, a empresa trabalha em sua horta com o manjericão basílico e a rúcula, enquanto seus tanques produzem tilápias frescas. Entre os pescados, há também a entrega do pirarucu, trazido de um projeto social da Amazônia e que fomenta a economia de comunidades ribeirinhas.

“Essa foi uma mudança estratégica e conseguimos ter um resultado positivo em cima disso com melhora no fluxo de caixa, de rendimento e tudo mais que precisa para uma empresa. Isso porque por mais bem intencionada que ela seja, a startup ainda precisa gerar valor monetário, lucro, para se sustentar”, explica Costa.


Junio Costa, fundador da Verde Acqua, exibe filé de Pirarucu fresco (Alex de Jesus / O TEMPO)

De olho no avanço do setor, o Sebrae Minas está promovendo o “Programa Estadual de Aceleração para Negócios de Impacto do Estado de Minas Gerais”, que, desde outubro de 2024, está auxiliando 28 empreendedores do Estado. “De 15 em 15 dias a gente trabalha com eles em workshops, mentorias e acompanhamentos para essa aceleração, para eles entrarem para o mercado. Já amos da metade do processo e, em breve, entraremos na fase de promoção de mercado, que consiste em rodadas de negócio com investidores, com fóruns importantes no Brasil e fora do país”, lembra Abdon. 

Quando o fim se transforma no começo

Durante o desenvolvimento de soluções para os impactos socioambientais, a velha máxima de Antoine Lavoisier, de que “tudo se transforma”, é colocada em prática no dia a dia. Muitas vezes, o que se tornaria lixo e, consequentemente, um resíduo a ser manejado, pode se tornar uma solução, até mesmo, lucrativa. Na produção de aço, um dos subprodutos mais nocivos ao meio ambiente é a água amoniacal, rica em amônia — composto tóxico que, se descartado sem tratamento, pode contaminar solos e corpos d’água. Mas o que tradicionalmente é visto como resíduo virou solução nas mãos da startup mineira Biosfera Soluções, sediada em Belo Horizonte. A empresa desenvolveu uma tecnologia capaz de reaproveitar essa água residual e transformá-la em fertilizante nitrogenado, utilizado na agricultura. A proposta une duas pontas da economia mineira — siderurgia e agronegócio — para criar um ciclo de reaproveitamento sustentável, com impacto direto na redução de emissões e no uso consciente de recursos.

O projeto, batizado de Biocarbon System, garantiu à empresa o segundo lugar na categoria Redução de Emissões de Carbono no Congresso Nacional de ESG, realizado durante o evento Pré-COP30, em maio deste ano, em São Paulo. A cerimônia de premiação ocorreu no Centro de Eventos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (AMCHAM). “A gente transforma aquilo que é problema para a mineração e siderurgia em soluções para o agronegócio, a construção civil e até a indústria de bebidas. É um impacto positivo forte para a economia e para o clima”, destaca Henrique Eleto, CEO da startup.

O reaproveitamento dos resíduos também faz parte da Verde Acqua, que aproveita carcaças de pescados na produção de um biofertilizante especial, de base orgânica, para uso no agronegócio. A iniciativa recebe o apoio de universidades brasileiras e é desenvolvida em programas de doutorado. “Nosso objetivo agora é que essa secagem seja feita via biogás, derivado da fermentação da própria carcaça de tilápia. Com isso, a gente fecha esse ciclo, essa economia circular dentro da indústria, em 100%. Com isso temos resíduo zero. Eu não preciso fazer controle de emissão de efluentes, pois são zero”, diz, orgulhoso, Costa.

A ideia agora é expandir a iniciativa para outros setores rumo a um futuro ambicioso: zerar a  dependência brasileira por fertilizantes externos. “O Brasil é um país tão agro, de tanta produção, e todos esses resíduos orgânicos da indústria agropecuária são susceptíveis ao tratamento pelo processo que a Verde Acqua desenvolveu. Caso a gente consiga tratar todos os resíduos agropecuários que são produzidos no Brasil hoje, a gente poderia levar a dependência brasileira por fertilizantes externos a zero. Hoje ela é de 85%. Então traria uma segurança alimentar e um fomento violento para o PIB brasileiro”, completa o sócio fundador da startup.

Além da inovação no reaproveitamento da amônia, a Biosfera Soluções também desenvolveu soluções para o uso de resíduos sólidos da indústria do aço e da mineração. A empresa já prestou serviços para gigantes do setor, como Vale, ArcelorMittal e Usiminas. Na última, prestou assessoria direta no desenvolvimento do programa Usiminas Mobiliza Caminhos do Vale, que promove a pavimentação de estradas rurais com agregado siderúrgico — material antes descartado em aterros controlados. De acordo com dados do programa, 2,6 km de estradas já foram recuperados e mais de 1,3 milhão de pessoas beneficiadas na região Leste de Minas. A Biosfera participou da concepção e da formatação do projeto, mas atualmente ele é gerido pela própria Usiminas.

“Essa pavimentação é toda feita com agregado siderúrgico, o resíduo que antes era jogado em aterros controlados e que gerava problemas para as comunidades do entorno”, explica Henrique. “A gente desenvolveu uma tecnologia que permite, em parceria com os municípios, recuperar estradas sem poeira, sem lama na época de chuva e sem buracos. É o que chamamos de pavimentação ecológica — ela nasce de um resíduo industrial e garante mobilidade de qualidade. É possível fazer sustentabilidade sendo economicamente viável, e a gente prova isso todos os dias.”


Caminhão trafega por estrada rural pavimentada com agregado siderúrgico na zona Leste de Minas (foto: Biosfera Soluções / Divulgação)

Uma das principais mineradoras de Minas Gerais, a Samarco é exemplo de que há uma preocupação crescente do setor em reutilizar os materiais gerados ao longo da cadeia de produção. Conforme o gerente-geral de beneficiamento da empresa, Edmilson de Freitas, a ideia é aproveitar ao máximo os rejeitos. “Você tem diversas possibilidades. Pode usar para pavimentação, em outras áreas da construção civil”, destaca.

Quase dez anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas Gerais — tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição ambiental —, a mineradora vive um momento de retomada econômica. O objetivo da empresa é alcançar 100% da operação até 2028, com uma produção anual estimada em 27 milhões de toneladas de pelotas de minério de ferro.

Devido ao desastre, causado pelo acúmulo de lama de rejeitos na barragem que se rompeu, a mineradora ficou cinco anos com as atividades paralisadas. “Há ferro na própria lama, então podemos pensar em reaproveitar. Estamos estudando formas de concentrar esse material para que ele se torne comercialmente vendável no mercado”, afirma Edmilson.

Vitrine para as green techs

Em novembro deste ano acontece, em Belém, no Pará, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30. O encontro, reunirá líderes de quase 200 países, pesquisadores, ONGs e empresários para debater a crise climática e definir as estratégias globais para se combater o problema. Para Agmar Abdon, analista do Sebrae Minas, o evento é um verdadeiro holofote para este tipo de negócio. 

“A gente vê pela TV os acordos entre chefes de estado, mas, o que também ocorre na COP, e muitas vezes não é mostrado, são as oportunidades de negócio da chamada ‘Zona Verde’. Ali a gente vê o encontro de oferta e demanda por essas iniciativas que são importantes para o meio ambiente e para o social. E o Brasil é a bola da vez, está chamando a atenção do mundo para essas iniciativas, essas tecnologias e inovações; Então, com certeza, o COP 30 é uma oportunidade”, pontua. 

Henrique Eleto, da Biosfera, reforça a importância do evento como espaço de reflexão e ação. “Acho que vai ser uma oportunidade para a gente repensar o nosso modelo de relacionamento com o meio ambiente, com a sociedade, mas também com as empresas, que têm um papel fundamental na redução das emissões de carbono do mundo”, avalia. Para ele, é preciso tratar os resíduos de forma mais responsável, em todos os níveis da sociedade. “A gente precisa dar uma destinação sustentável aos resíduos e reduzir o impacto deles nas nossas vidas. E isso aí não é só para as empresas. Em todos os sentidos. A gente, ainda hoje, enquanto ser humano, não separa o resíduo em casa”