Se, lá em 1980, Gonzaguinha “acreditou na rapaziada” como sinônimo de força e trabalho para “seguir em frente e segurar o rojão” no Brasil, em um período em que o fim da ditadura militar se avizinhava, quase 45 anos depois o país experimenta um paralelo com o ado. O ano de 2024 chega ao fim com mais de 20% da juventude fora do mercado de trabalho e do ambiente educacional, na chamada 'geração nem-nem'. São 9,6 milhões de pessoas de 15 a 29 anos nesta situação, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O percentual representa uma queda em relação a 2023, quando 10,1 milhões de jovens estavam nessas condições, somando 21,2% da população jovem, e uma melhora expressiva quando comparado aos números de 2020, em que o indicador chegou a 26,7%. Os dados constam no relatório detalhado “Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira”, publicado pelo IBGE. Apesar da recuperação no cenário, as estatísticas apontam para um horizonte de indefinições sobre o crescimento do Brasil a longo prazo.
Especialistas temem que, no futuro, o país enfrente dificuldades relacionadas ao o e à disponibilidade de mão de obra, sobretudo qualificada. Um dos argumentos utilizados para sustentar essa tese é o envelhecimento da população. O Censo do IBGE revelou, no ano ado, que os idosos deixaram de ser a menor fatia da população e superaram, inclusive, os jovens. As projeções indicam que, em 2046, pessoas acima dos 60 anos serão a maioria dos habitantes, representando 28% do total, podendo chegar a quase 40% em 2070.
Esse cenário, segundo Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), pode reduzir a oferta de trabalhadores, configurando um fato inédito na história do Brasil. “Fomos o último país a abolir a escravatura, depois veio a época das imigrações, e, em seguida, o bônus demográfico. Então, oferta de mão de obra o país sempre teve. Havia problemas graves associados a isso? Obviamente. Mas estamos vivendo, de forma acelerada, o fim do bônus demográfico, que começa a se tornar um ônus demográfico. É como um vento que soprava a favor e agora começa a soprar contra. Isso fará com que o Brasil não tenha uma população em idade ativa suficiente para sustentar a previdência dos mais velhos ou produzir para sustentar a economia como um todo”, assinalou o pesquisador.
Na avaliação de Neri, essa conjuntura exige maior produtividade da parcela mais jovem da população, algo distante da realidade nacional, considerando o número significativo de jovens entre 15 e 29 anos que não trabalham nem estudam. Para ele, isso reflete dificuldades na transição para a vida adulta. “Os jovens estão sendo mais demandados pelo mercado, o que é uma boa notícia, porque isso os torna mais disputados. Mas é uma má notícia para o Brasil, porque há uma falta de jovens, e isso vai dificultar o crescimento da economia”, ponderou.
Vivendo uma realidade distinta dos 20% que atualmente estão sem ocupação, Daniel Barbosa, de 19 anos, trabalha desde os 14. Até maio deste ano, ele era menor aprendiz, mas foi contratado para trabalhar no setor de cobranças de uma empresa do mercado de seguros. O emprego, garante, supre suas necessidades até que consiga se formar como designer gráfico.
No ano ado, ele ficou na lista de excedentes do Prouni e tentará a vaga novamente com os resultados do Enem 2024. Até chegar à posição atual, Daniel relatou um período de baixas expectativas nas ofertas disponíveis. “A maioria das vagas que eu via, quando procurava, exigia trabalho no fim de semana, no sábado, e isso me tirava um pouco da alegria. E também tinha a questão do salário. Quando a gente precisa, o que vier é lucro, mas na maioria das vezes era o salário mínimo ou menos. Mas como eu precisava, eu não reclamava”, detalhou.
No futuro, ele projeta um trabalho fixo na área em que pretende se formar. “Espero que tenha mercado, porque vejo muita gente falando que não vai ter. Mas tenho pesquisado e visto que a área está crescendo, então espero que se mantenha assim no futuro”, contou Daniel, que desde os 14 assumiu o compromisso de pagar contas em casa.
Desemprego na juventude e os contextos sociais e econômicos
Para o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Mário Rodarte, o desemprego e a ausência de jovens na formação educacional estão diretamente relacionados a contextos sociais e econômicos. Dados do IBGE mostram que homens pretos ou pardos representavam mais que o dobro dos brancos desocupados na juventude, somando 2,4 milhões. No caso das mulheres negras ou pardas, o número chega a 4,6 milhões, mais que o dobro das jovens brancas.
Uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) identificou que a maioria dos chamados “nem-nem” não está na ociosidade, mas lidando com afazeres domésticos, cuidando da casa, de filhos ou familiares, ou realizando cursos não regulares. Segundo o levantamento, apenas 7% não estavam envolvidos em nenhuma dessas atividades. Conforme Rodarte, o recorte indica um pequeno segmento alheio a um projeto de vida profissional.
“Vimos seis anos de um mercado super desaquecido, e as pessoas meio que se conformam com isso e começam a fazer outros projetos. Acho que é muito frustrante para o estudante, que quer uma inserção profissional, perceber que a vida escolar nem sempre trará um retorno de reconhecimento profissional, já que o mercado está desaquecido”, comentou.
Rodarte afirmou que os jovens não têm visto atratividade no mercado de trabalho brasileiro, citando o fenômeno de fuga de cérebros, em que pessoas buscam oportunidades em outros países. “O jovem que se qualificou e, às vezes, tem um poder aquisitivo, como os filhos da classe média, por exemplo, olha para o mercado aqui e decide ir para fora. Assim como temos o ‘nem-nem’ aqui, temos também um segmento muito valioso de jovens que se qualificou bastante, teria produtividade alta, mas não vê atratividade no mercado brasileiro. Esses dois fenômenos dialogam entre si”, acrescentou.
De olho nas oportunidades para iniciar sua vida profissional, Maria Eduarda Silva, de 18 anos, concluiu o ensino médio neste ano. Duda, como é conhecida, conciliou o período escolar com uma formação técnica em informática e aguarda a nota do Enem para saber se ingressará no ensino superior em 2025, onde pretende cursar Ciências da Computação. Enquanto isso, já iniciou a busca por um emprego.
“Eu acho que o mercado estará aberto para mim, porque tudo que aprendi na escola acredito que é o que o mercado está procurando”, disse ela, que pretende trabalhar na área de softwares. Questionada sobre o salário, ela mantém os pés no chão. “Para o momento da minha vida, atende às minhas expectativas porque será meu primeiro emprego”, afirmou.