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Walter Salles faz um 'Noviça Rebelde' às avessas
Em cartaz a partir desta quinta-feira, 'Ainda Estou Aqui' está cotado para o Oscar 2025
“Ainda Estou Aqui” ajuda a corrigir um problema crônico do cinema brasileiro, ao não se permitir, muitas vezes, que o espectador goste dos personagens. E também que o público se sinta confortável e identificado com aquele núcleo que estamos acompanhando. É o reflexo de um país dominado pela dramaturgia da televisão.
Em cartaz a partir de hoje, o filme de Walter Salles tem a precisão e a força que os nadadores treinam exaustivamente para terem a melhor “saída” do bloco e garantir as primeiras colocações em competições curtas. O cinema brasileiro geralmente opta pelas provas longas, nos fazendo envolver gradualmente com a trama.
Em aproximadamente 30 minutos, “Ainda Estou Aqui” nos faz sentir partícipe daquela família gerida, de maneira convencional, pelo engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) e pela dona de casa Eunice Paiva (Fernanda Torres), à frente de uma prole grande (quatro meninas e um garoto), um cão e uma funcionária.
Eles moram numa casa – igualmente grande e arejada – a poucos metros da praia, com a bela vista do Rio de Janeiro do início da década de 70. Não há nenhuma aresta nesta família, o que pode ser um pecado em outro tipo de filme. Mas o que “Ainda Estou Aqui” vende não é margarina, mas sim um vital dispositivo de transformação na narrativa.
A retirada de Rubens Paiva daquele universo abre uma forte lacuna familiar, gerando uma expectativa imediata no público de uma reposição, mesmo que não seja – especialmente para quem conhece o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, base do filme – a figura do pai, mas algum outro elemento que possa restabelecer o sentimento de harmonia experimentado no início.
Esse sentimento de vazio é muito significativo para representar os anos de chumbo. O que é reconhecível e prazeroso é substituído pelo desconhecido e pelo temor. Essa mudança é muito bem desenhada no instante seguinte, quando a casa literalmente se fecha. As cortinas se fecham e o local vive à penumbra, sem ninguém saber o que está acontecendo de verdade.
Parece tudo muito simples, como se Salles só estabelecesse trocas por algo oposto à situação, mas esses ingredientes têm que estar sempre acompanhados de uma boa relação entre os atores para tornar ainda mais verdadeiro esse laço familiar. Por isso é tão importante a escolha de Selton e Fernanda para os papéis principais.
Além de um jeito bonachão e cativante, Selton pautou uma carreira por exibir uma voz especial, lapidada no trabalho de dublagem, e que, mesmo ao fecharmos os olhos, temos a nítida compreensão do que está se ando na tela. A voz é fundamental para ampliar a sensação de bem estar e amparo, bruscamente retirada depois, na trama.
Fernanda Torres vira a segunda voz, não menos importante e primordial para tornar o diálogo mais interessante. Quando a primeira sai de cena, continuamos sentindo falta dela, mas a segunda a a ter um som e um significado diferentes. No caso de Eunice, ela vai ficando dura e temática.
Naquilo que é o grande achado do filme, Eunice não substitui, por mais que imprima seu nome na história dos direitos humanos no país, o marido assassinado pela ditadura. Ele continua flutuando na história até que, na sequência final, Eunice também se emudece. No filme, esse silêncio pode ser explicado pelo ressurgimento do militarismo.
No fim das contas, Salles fez um “A Noviça Rebelde” às avessas. O filme de Robert Wise, lançado em 1965, caminha para o pleno estabelecimento familiar – num ambiente antes austero, durante a Segunda Guerra Mundial – com a adição da noviça Maria ao núcleo do capitão von Trapp e seus seis filhos. No brasileiro, o que prevalece é a subtração.