Comemorada no Brasil desde o período colonial e trazida pelos portugueses, as festas juninas adquiriram, com o tempo, características típicas do país, pródigo, justamente, em misturar influências. Além de saudar os santos, pular a fogueira em trajes alusivos à vida no interior, adornar de balões o cenário e se deleitar com canjica, quentão e milho, não falta às comemorações muita música. 

E, talvez, seja na canção aonde mais se faça notar a absorção brasileira. Fortemente baseada em gêneros nordestinos, as festividades do mês de junho legaram alguns clássicos para o cancioneiro nacional, que contemplam de Luiz Gonzaga a Lamartine Babo, com a presença de Moraes Moreira e Assis Valente. As décadas abarcam, principalmente, os anos 1930, e vão até 1980.

“Cai, Cai Balão” (marcha junina, 1933) – Assis Valente

As festas juninas brasileiras também tiveram a intervenção pontual de Assis Valente. Para a comemoração do mês de frio ele compôs a suave marcha “Cai, Cai Balão”, lançada por Francisco Alves e Aurora Miranda no ano de 1933. Os versos lançam enredo de uma sagaz sabedoria popular: “quem sobe muito, cai depressa sem sentir”, e expressam um teor implícito na personalidade de Assis: a desconfiança das glórias, que segundo o próprio, numa explicação a Ary Barroso de uma das tentativas de suicídio, não “resgatam letras”.

“Chegou a Hora da Fogueira” (marcha junina, 1933) – Lamartine Babo

Esta música de 1933 reúne, de uma só vez, vários astros da canção brasileira. Composta por Lamartine Babo foi lançada em dueto com Carmen Miranda e Mário Reis sob os arranjos de Pixinguinha. Por isso não espanta que seus versos e melodia tenham permanecido por tanto tempo no imaginário popular. “Chegou a hora da fogueira/é noite de São João/o céu fica todo iluminado/fica o céu todo estrelado/pintadinho de balão”. E foi regravada pelo palhaço Arrelia.

“Isto É Lá com Santo Antônio” (marcha junina, 1934) – Lamartine Babo

A fim de bisar o sucesso do ano anterior, Lamartine Babo compôs para 1934 outra marchinha junina, e chamou para gravar, novamente, a dupla Carmen Miranda e Mário Reis. Deu certo. A música que brinca com os milagres praticados por São Pedro, Santo Antônio e São João ficou entre as mais executadas. “Eu pedi numa oração/ao querido São João/que me desse um matrimônio/São João disse que não/isto é lá com Santo Antônio”, diz em versos.

“Pula a Fogueira” (marcha junina, 1936) – Getúlio Marinho e João B. Filho

Lançada por Francisco Alves em 1936, época áurea do cantor tido como o Rei da Voz, a música “Pula a Fogueira” é uma composição da dupla Getúlio Marinho e João B. Filho. Presença garantida nos festejos, ela aborda a tradição descrita em seu título. Originária das festas pagãs, a fogueira foi, aos poucos, incorporada aos festejos para louvar, principalmente, São João. Na música, os versos ganham teor romântico: “olha que a fogueira já queimou o meu amor”.

“Último Desejo” (samba-canção, 1938) – Noel Rosa

Embora não tenha sido composta para animar os festejos de junho, a música “Último Desejo” figura entre os clássicos da canção brasileira e teve inspiração, ao menos inicial, na festa. Lançada um ano após a morte de seu compositor, Noel Rosa, em 1938, por sua amiga Aracy de Almeida, ela é uma despedida amorosa no formato de carta. Os primeiros versos justificam a ligação: “Nosso amor que eu não esqueço/e que teve seu começo/numa festa de São João”.

“Noites de Junho” (marcha junina, 1939) – Braguinha e Alberto Ribeiro

Ainda integrante do Trio de Ouro ao lado de Herivelto Martins e Nilo Chagas, Dalva de Oliveira já era uma cantora requisitada, em 1939, quando gravou sua primeira marcha junina: “Noites de Junho”, composição de Braguinha e Alberto Ribeiro. Os versos captam um lado poético da festividade: “Os balões devem ser com certeza/ As estrelas daqui deste mundo/ Que as estrelas do espaço profundo/ São os balões lá do céu”. A música foi regravada por Emilinha Borba em 1958, em compacto da Continental que trazia ainda “Botões de Laranjeira”, e, mais tarde, por Elba Ramalho. 

“Pedro, Antônio e João” (marcha junina, 1939) – Benedito Lacerda e Osvaldo Santiago

Também em 1939 o compositor Benedito Lacerda, que havia acompanhado com seu regional a cantora Dalva de Oliveira na gravação de “Noites de Junho”, deu a sua contribuição para a festa. É dele e de Osvaldo Santiago a autoria de “Pedro, Antônio e João”, não por acaso lançada por Dalva. Assim como na música de Lamartine Babo se inspira nos santos louvados: “Com a filha de João/Antônio ia se casar/mas Pedro fugiu com a noiva/na hora de ir pro altar”.

“Olha pro Céu” (marcha junina, 1951) – Luiz Gonzaga e José Fernandes

Conhecido como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga lançou dois discos inteiramente dedicados à músicas juninas, tamanha sua identificação com a causa, ambos intitulados “Quadrilhas e Marchinhas Juninas”, o primeiro de 1965 e o volume 2 de 1979, que trazia ainda o epíteto “Vire Que Tem Forró”. Mas nenhuma música de sua autoria produziu tanto impacto quanto “Olha pro Céu”, parceria com José Fernandes lançada em 1951, e regravada por Elba Ramalho e Gilberto Gil.

“Pra São João Decidir” (marcha junina, 1952) – Lupicínio Rodrigues

Uma das últimas músicas gravadas por Francisco Alves, “Pra São João Decidir”, é uma composição de Lupicínio Rodrigues do ano de 1952. Identificado com o samba-canção mais magoado, conhecido como “dor de cotovelo”, a criação junina de Lupicínio não foge ao estilo. 

Em forma de crônica, conta a decepção com o santo após perder aposta para o vizinho. “Eu tinha tanta confiança neste santo/ Que apostei um conto e tanto/ Que era eu que ia ganhar”, ite. Porém, com o raiar do dia, a foguetada do vizinho revela quem foi o vencedor da aposta. Regravada por Jair Rodrigues, Jamelão e Francisco Petrônio, ela ganhou uma versão irreverente de Arrigo Barnabé.

“Festa do Interior” (frevo, 1981) – Abel Silva e Moraes Moreira

Após décadas, as festas juninas voltaram a ser tema de uma canção popular de sucesso no Brasil em 1981. Composta por Moraes Moreira e Abel Silva em ritmo de frevo, “Festa do Interior” foi lançada por Gal Costa. Com arranjo de Lincoln Olivetti integra “Fantasia”, um dos álbuns mais exitosos da carreira da cantora. A música não apenas puxou as vendagens, até então a maior de Gal, como foi a mais tocada no Carnaval. Curiosamente, o repertório de “Fantasia” vinha de um show de Gal em que a crítica foi implacável. Segundo a cantora, problemas técnicos foram determinantes para o fiasco daquela noite de estreia.