Em 1998, sem grande alarde, quase silencioso, simples e sofisticado, um disco rompeu as fronteiras da França para marcar permanentemente a história da música eletrônica. “Moon Safari”, o álbum de estreia da dupla sa Air, se apresentou como uma colcha de retalhos sônicos, costurando referências de Kraftwerk, Ennio Morricone, Stevie Wonder, Beach Boys e até de compositores clássicos, como Debussy e Ravel. adas mais de duas décadas, Jean-Benoît Dunckel e Nicolas Godin – os artistas por trás da sigla para Amour, Imagination, Rêve (em bom português: Amor, Imaginação, Sonho) – celebram esse marco da cultura pop no Brasil, mais precisamente em São Paulo, como uma das principais atrações do C6 Fest, que acontece entre os dias 22 e 25 de maio, no Parque Ibirapuera.
“Quando terminamos o ‘Moon Safari’, nunca imaginamos que se tornaria um sucesso tão grande. Nós queríamos fazer algo artístico e atemporal, não necessariamente mainstream”, lembra Dunckel, durante entrevista coletiva online com jornalista brasileiros.
O que parecia ser uma experiência pontual para um público nichado acabou conquistando o mundo. De trilhas para comerciais e filmes a apresentações nos mais diversos palcos, o Air se tornou uma banda que falava muitas línguas com poucos vocais. “Nunca pensamos em alcançar pessoas de tão longe. Usamos o inglês como uma língua internacional, mas nossa música fala por si. Algumas faixas são instrumentais porque as palavras não funcionavam”, explica Dunckel. “A música precisa falar direto à alma”.
Agora, revisitá-lo ao vivo é como operar uma máquina do tempo – algo que o duo anseia por entender que a sonoridade de “Moon Safari” segue moderna, atemporal e relevante. “Toda vez que fazíamos alguma música, nossa principal preocupação era fazer algo atemporal. E estávamos obcecados por isso. Era muita pressão porque tínhamos medo de fazer coisas que não envelheceriam muito bem”, relembra Godin. “Mas não podíamos ter a resposta antes de todos esses anos. E agora sabemos que tomamos as decisões certas porque, quando ouvimos ‘Moon Safari’, notamos que elas ainda estão frescas. Então, é um processo recompensador, porque era nossa principal preocupação 30 anos atrás”, completa.
“Moon Safari” se tornou um símbolo do que se convencionou chamar de “french touch” – o toque francês –, ao lado de nomes como Daft Punk, Cassius e Étienne de Crécy. Mas o Air nunca se sentiu pertencente à house music desse movimento. “Somos amigos deles, mas fazemos outra coisa. Estamos mais próximos de bandas como Portishead, na maneira de usar trilhas sonoras e melodias lentas. Nossa referência era muito mais cinematográfica do que de pista”, diz Godin.
As influências são vastas: “Songs in the Key of Life” e “Talking Book”, de Stevie Wonder, ajudaram a definir o setup de instrumentos analógicos do álbum. A inspiração também veio de Maurice Ravel, Ennio Morricone e até de trilhas de programas de TV, como “Cosmos 1999”, e o som das fitas de VHS. “Limitação é criação. Tínhamos apenas oito pistas para gravar. Isso nos forçou a fazer escolhas certeiras”, analisa Godin.
Com a inteligência artificial despontando como ferramenta criativa, os ses se mostram céticos, mas curiosos. “Não ouvi nada feito por IA que me tocasse de verdade. Mas pode mudar em poucos meses. Acho que hoje é difícil ser criativo com tantas opções. Na nossa época, ter poucas coisas nos ajudava”, comenta Godin. “Mas, se alguém um dia fizer um álbum como ‘Moon Safari’ usando IA... eu quero ouvir”.
E o Brasil? “A conexão é real. A suavidade da bossa nova nos inspirou muito. ‘You Make It Easy’ começou como uma bossa nova dos anos 1960. Usávamos até o ritmo bossa dos nossos teclados”, revela Dunckel. “iramos muito Jorge Ben Jor, Tom Jobim, Marcos Valle... A França respeita muito a música brasileira”.
Se hoje a juventude pode ver “Moon Safari” como uma espécie de escapismo doce, para o Air, essa sempre foi a proposta: construir um universo paralelo. “Queríamos fugir da realidade. Era uma maneira de dizer adeus à infância e se proteger do mundo adulto. Hoje, talvez isso faça mais sentido do que nunca”, pontua Dunckel.
Na órbita da música pop, “Moon Safari” continua um planeta único: flutuante, doce, melancólico e sereno. Uma bolha sonora em que ainda é possível sonhar.
O C6 Fest acontece no Parque Ibirapuera, em São Paulo, entre os dias 22 e 25 de maio. O Air é uma das principais atrações do evento, se apresentando no sábado (24). O festival também contará com apresentações de bandas e artistas como Nile Rodgers & Chic, Wilco, Gossip, Amaro Freitas, Seu Jorge e convidados, Pretenders e muito mais.
O line-up completo e demais informações estão íveis em www.c6fest.com.br