-
‘A Viagem’: saiba onde foi gravado o ‘Vale dos Suicidas’, o ‘céu’ e outras locações da novela
-
Gabriela Duarte abre o jogo sobre fim do casamento: "Não era uma coisa que eu queria"
-
Cauã Reymond abre o jogo sobre os bastidores de Vale Tudo: "Estou
-
Após anuncio de Virginia, mestre de bateria da Grande Rio sofre ameaças e toma decisão
-
Expulso de casa, filho de Latino mora na oficina em que trabalha
Instrumentistas mineiras se destacam na cena e refletem sobre luta por igualdade
Débora Costa, Camila Rocha, Thamiris Cunha, Mariana Bruekers e a compositora Ana Rodrigues exibem suas trajetórias de luta e sucesso no Dia Internacional das Mulheres

Não havia imagem, somente som, no ritmo da percussão. Durante o ensaio, alguém notou que faltava um baixo. Apesar do dilema, a clarineta – esse nome feminino – venceu o embate com o trompete e o trombone. Aos poucos, o violão cedeu espaço à flauta, protagonista do choro à música clássica, ando pelo rock progressivo.
Nesse mosaico musical, convergem as histórias de Débora Costa, Camila Rocha, Thamiris Cunha e Mariana Bruekers, destacadas instrumentistas mineiras, que, na contramão da correnteza, desafiam um cenário machista, em que as mulheres ainda são minoria.
Débora Costa tinha por volta de 11 anos quando a irmã a levou para um evento promovido pela igreja, na rua de casa. “Não via as pessoas, só tenho a lembrança do som, muito forte, mexendo comigo, aquilo ficou na minha cabeça por muito tempo”. Foi o gatilho para que ela começasse a frequentar o Centro Cultural Tambolelê. “Cutucava minha mãe, dizendo: ‘também quero batucar esse negócio daí’”, diverte-se.
Percussionista, baterista e produtora musical, Débora integrou a banda de Sérgio Pererê no recente show em homenagem a Milton Nascimento, assim como Camila Rocha, vencedora do Prêmio BDMG Instrumental de 2018, que acaba de estrear no Rio o espetáculo de seu EP “Rama”, e que já se apresentou com Alceu Valença e a Orquestra Ouro Preto.
Nascida em uma família musical, ela decidiu ser musicista aos 13 anos. Acompanhando o pai, Camila não imaginava que a primeira vez em um estúdio mudaria sua vida. Enquanto gravavam uma demo, os músicos da banda perceberam que apenas voz, violão, bateria e saxofone não seriam suficientes.
Diante do ime, o pai a incentivou a estudar contrabaixo para ser a nova integrante da “Previsão do Tempo”. Camila não pensou duas vezes. No curso de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), descobriu, aos 17 anos, um universo a ser explorado. “Ser instrumentista era o ofício principal de muita gente”, sublinha.
Sopro
Explorar, aliás, é o que Mariana Bruekers tem feito nos últimos quinze meses a bordo de Chiquinha, seu carro que homenageia Chiquinha Gonzaga (1847-1935), percorrendo onze países das Américas em direção ao Alasca. Atualmente, ela se encontra na Nicarágua.
Formada em Flauta Transversal pela UFMG, com mestrado em Pedagogia Musical pelo Royal Conservatoire da Holanda, ela aprendeu, com a experiência, a seguir o fluxo dos acontecimentos, “levando a vida na flauta”, como permite o trocadilho.
“Não tenho mais planos, desde que saí do Brasil estou aberta às possibilidades da mudança, deixando que a própria viagem me diga os caminhos que devo seguir”. Nesse percurso, Mariana retomou o contato com o violão, seu primeiro instrumento, e canções inéditas já se avizinham, influenciadas por divas latino-americanas como Mercedes Sosa (1935-2009) e Violeta Parra (1917-1967).
“Desde que comecei essa viagem, meu conhecimento musical se expandiu muito, tenho tocado com gente de todos os cantos e conhecido músicas das quais nunca tinha ouvido falar, e isso, obviamente, reflete no meu trabalho”, assinala Mariana, que não perde de vista o choro, tema de oficinas que ela ministra nos países que visita.
“É um gênero que não é tão conhecido fora do Brasil, mas, para mim, tem uma importância grande porque, além da beleza, é muito representativo da variedade da música popular brasileira”, enaltece. Thamiris Cunha sabe bem do que a amiga está falando. A música preenche sua vida antes mesmo que ela se “entendesse por gente”.
Em sua casa, a família conduzia um projeto social voltado ao ensino de música para crianças, que acontece até hoje. A clarinetista considera que a relação profissional com o ofício se estabeleceu quando ela começou a “estudar a linguagem do choro”, em 2011, na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). “ei a frequentar as rodas de choro não mais como espectadora, mas com a responsabilidade da solista”, conta.
A “ousadia” abriu portas para Thamiris investir em “contrapontos, improvisos, alterando a linha melódica”, e ir conquistando o respeito da galera. Embora de “difícil execução, pesada para soprar”, a clarineta a seduziu, e ela não teve escolha. “Hoje, é parte do meu organismo”, afirma Thamiris.
Luta
Com trajetórias únicas e distintas, as musicistas são unânimes ao repetir uma palavra para abordar o Dia Internacional das Mulheres, comemorado neste 8 de março. “Ainda não está bom, por isso seguimos lutando”, sustenta a percussionista Débora Costa, que destaca a batalha das mulheres pretas para “acreditar que vai dar certo”.
“A partir do momento que você não vê mulheres instrumentistas, você se pergunta se é possível. Felizmente, esse cenário está mudando, mas ainda somos poucas”, constata Débora, que inaugurou, no final do ano ado, com a sócia Danielle Duarte, “outra mulher preta”, o estúdio Sankofa Beat, para “viabilizar e fortalecer quem quer botar o seu trabalho no mundo”.
Débora já presenciou mulheres no papel de diretoras musicais serem “ignoradas pelos caras da banda”. “A maior barreira é ser ouvida, isso gera uma insegurança que, com certeza, vai afetar todo o processo”, analisa. Baixista e compositora premiada, Camila Rocha sentiu na pele essa desconfiança.
“Minha maior dificuldade foi acreditar que eu era capaz de me tornar uma boa instrumentista, o que tem muito a ver com o machismo da nossa sociedade. Nós, mulheres, não somos criadas para acreditar no nosso potencial de protagonistas”, observa ela, que reforça a ideia da “luta e de refletir sobre o que ainda precisa ser feito”.
Clarinetista e cantora, Thamiris Cunha aponta as dificuldades das mulheres que atuam como mães e musicistas, numa jornada extenuante, que demanda uma “energia vital”. “Sobreviver como mulher na nossa sociedade é sinônimo de resistência, dor e luta. Quanto mais se fala sobre os nossos problemas, outras mulheres vão se sentir à vontade para exporem as suas próprias queixas”.
Viajando sozinha pelas Américas, a flautista e compositora Mariana Bruekers enfrentou situações de assédio e teve que mudar, involuntariamente, a sua rota. Um dos questionamentos que ela mais ouviu foi sobre a ausência de um pretenso marido. “O dia 8 de março é simbólico pela história, e temos que trazer o seu sentido de luta para todos os dias do ano”, arremata Mariana.
Ana Rodrigues e Elisa de Sena lançam música feminista gravada em Cuba
Colegas de faculdade, Ana Rodrigues e Elisa de Sena estudaram, respectivamente, biologia e história, mas, duas décadas mais tarde, foi a música que as uniu, fruto da “iração mútua”. Juntas, elas compam “Viva mi Revolución”, lançada nesta sexta (8), justamente para celebrar o Dia Internacional das Mulheres.
A faixa, que vai integrar o primeiro álbum de Ana, previsto para este ano, foi gravada na interiorana Trinidad, em Cuba. Em sua primeira noite na cidade, Ana conheceu o grupo Santa Palabra, e não conteve as lágrimas. “Dizem que sou ‘gente emocionada’”, confessa.
A trupe logo topou participar da empreitada. “Cheguei a Cuba determinada a encontrar músicos para registrar a canção”, confidencia Ana. Na gravação, ela é acompanhada pelas vozes das gêmeas Yaslin e Yasmin, que também tocam Maraca e Tres cubano, instrumentos típicos da região. Por conta disso, a composição ganhou trecho em espanhol.
“Elas entenderam de cara o que eu estava dizendo, não precisei explicar nada”. A letra, de conotação feminista, expressa a paixão de Ana pela revolução cubana, que ela relaciona com outra revolução, em constante curso. “Somos as mães do mundo, sem a gente não há vida, então, é natural que a revolução seja feminina”.
Ana salienta que Elisa de Sena acrescentou à composição “a voz da mulher preta”. Os versos de autoria da parceria deixam a posição explícita. “Meu corpo é bandeira/ Meu olhar é anzol/ Se pareço sozinha/ Dentro levo o próprio sol/ Mas não luto só/ Trago minha ancestral/ Velha, jovem, menina/ Todas servem de farol/ Arriba, levanta a saia/ Levanta a voz”, cantarola Ana, sem disfarçar o orgulho.
Cheia de novidades na bagagem, Ana, que resolveu se engajar plenamente na carreira musical aos 43 anos, é criadora dos blocos “Bem Te Viu Bem Te Vê” e “Coisas da Rita”. Até dezembro, ela apresenta forrós com parceiros como Jorge Continentino e Everton Coroné, além de um show batizado “Fadados ao Xote”, que congrega o gênero português ao nordestino.