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A era do ativismo na música popular brasileira
Profusão de canções com pautas contemporâneas coloca em questão a união entre arte e engajamento
O chocante assassinato da vereadora Marielle Franco (1979-2018) completa neste mês de março um ano, sem ter sido solucionado. Defensora dos direitos humanos, feminista, negra, bissexual e vinda da periferia, a socióloga e ativista tornou-se tema recorrente de canções e manifestações culturais desde a sua morte, transformando-se em um símbolo da luta contra as opressões. MC Carol dedicou música à vereadora, Criolo a citou no videoclipe “Boca de Lobo”, e, em 2019, o samba-enredo da Mangueira fará menção a Marielle.
A vereadora voltou a ser lembrada nas imagens de “Rumos e Rumores”. Lançada pelo rapper Vitor Pirralho com participação de Ney Matogrosso, a música apela contra a destruição dos povos indígenas. Por sinal, Ney esteve no centro de uma polêmica em 2017, ao ser criticado pelo cantor Johnny Hooker, que acusava o veterano de “desdenhar da causa gay” após uma entrevista em que o antigo vocalista do Secos & Molhados rejeitava ter se tornado um representante das minorias e se definia como “um ser humano”.
A posição parecia ir na contramão de uma nova geração habituada a hastear suas bandeiras dentro e fora dos palcos e estúdios. Liniker e MC Linn da Quebrada, por exemplo, se associaram ao movimento MPBTrans, termo cunhado por Jean Wyllys, deputado eleito que se refugiou fora do país devido a ameaças. A identificação com temas urgentes ainda levou toda uma juventude a idolatrar Elza Soares depois do renovador álbum “A Mulher do Fim do Mundo” (2015).
Historiador da música popular brasileira, produtor cultural e autor do livro “História Sexual da MPB”, Rodrigo Faour esmiuçou em sua tese de mestrado o momento de Elza. “Ela alcançou a alma do jovem antenado quando renovou, ao mesmo tempo, som e discurso e se assumiu como a mãezona das causas negra e gay que ela sempre foi, não necessariamente em razão das músicas, mas pela própria vida que ela teve”, observa Faour. Para o historiador, “vivemos um momento inédito, com pautas identitárias muito importantes sendo levantadas na música”.
Crítico musical e dramaturgo, Hugo Sukman, que em 2011 escreveu o livro “Histórias Paralelas: 50 Anos de Música Brasileira”, atribui a enxurrada dessa produção a “tempos de altíssima ebulição política”. “Há um novo comportamento em relação a diversas questões na sociedade, e acho natural que a música esteja na vanguarda disso. A arte não segue os padrões, ela mostra o que está por vir”, destaca. “Quando a Elza faz um disco em que predominam as denúncias contra a violência de classe, sexual e de gênero, isso anuncia os tempos que estamos vivendo”, completa.
Na opinião da crítica musical Débora Nascimento, a profusão se deve a uma “democratização dos meios de produção musical e divulgação”. “Foi aberto um gigantesco espaço a uma maior diversidade de autores e, como consequência, de temas. As músicas aram a ser compostas e interpretadas por pessoas que vivem experiências relativas às suas condições no mundo”, analisa ela, que cita “Flutua”, de Johnny Hooker. “Se alguém quiser entender a homossexualidade no Brasil do final desta década, essa composição será referência”, diz.
Valor. Para Sukman, é impossível separar a arte do criador de sua posição política. Em cartaz com o musical “Com Amor, Vinicius”, sobre o letrista de “Chega de Saudade”, ele repete uma frase do Poetinha: “Engajar-se no amor é um ato político”. Por outro lado, ele entende que a presença do mercado pode travar a relação da arte com o ativismo. “Quando a indústria descobre uma tendência, ela vai atrás e dilui isso. Haverá canções mais reveladoras e inovadoras e gente surfando nessa onda”, afirma ele, que recorda o caso do cantor Nego do Borel, acusado de se aproveitar da pauta da liberdade sexual com o vídeo da música “Me Solta”, em que ele beijava um homem.
Faour concorda. “O capitalismo é tão perverso que o ativismo real e legítimo vira um modismo e uma plataforma para alguns artistas conseguirem espaço com um público mais seleto e politizado, querendo posar de porta-voz dessas pessoas”, destaca ele, que ressalta o fato de isso “não invalidar as bandeiras”. “Mas poeticamente empobrecemos, pararam de entender metáforas”, completa. Provocador, o escritor Mario Quintana (1906-1994) afiançou que “uma boa causa jamais salvou um mau poeta”.
Crítico musical, Pedro Alexandre Sanches coloca mais lenha na fogueira. “Qualquer geração é heterogênea. Na mesma faixa etária cabem Linn da Quebrada, abertamente antifascista, e Sandy, que não se consegue decifrar nem pelas letras, nem pelas declarações, nem pelos silêncios. Anitta e Nego do Borel são defensores da periferia, reaças ou ‘isentões’ preocupados em agradar a todo mundo? Será que, por baixo dos panos, os confrontos artísticos são ideológicos?”, questiona.
Bandeiras. Elza Soares, 88, acreditou quando ouviu a frase: “Você pode mudar o Brasil”. Principalmente pelo fato de “ter sido a Maria Bethânia” quem lhe disse isso, ite a cantora octogenária, que já está em estúdio para gravar o sucessor do disco “Deus É Mulher” (2018), desta vez com produção do carioca Rafael Ramos, o mesmo que a acompanhou durante as gravações para a sua versão de “O Tempo Não Para” (Cazuza e Arnaldo Brandão), feita para a novela homônima da Rede Globo no ano ado.
“Trago a mensagem da mulher forte que está abrindo os caminhos. Nós sempre abrimos caminhos, mas agora o nosso eco é mais ouvido”, afirma Elza ao justificar a escolha de um repertório pautado pela urgência em denunciar as mazelas de uma sociedade racista, machista, homofóbica e transfóbica. A conversa a leva a se recordar do assassinato da vereadora Marielle Franco (1979-2018). “Era mais uma mulher pedindo que nos libertassem, que olhassem para o mundo gay e das mulheres negras”, diz.
Vocalista e dançarina do grupo Dream Team do inho, Lellêzinha, 21, também se identifica com a história de vida da vereadora assassinada e faz um apelo. “Não é possível que até hoje não tenham aparecido os mandantes do crime, que já deviam estar na cadeia há muito tempo. Tiraram a vida de uma mulher negra que representava a esperança para várias crianças e adolescentes. Acabam com a nossa vida, e não acontece nada”, lamenta.
Não por acaso, ao estrear na carreira solo, em 2018, ela escolheu como single a música “Nega Braba”. “Bom dia, preta/ Vem pra luta/ O ouro é meu/ Tô indo buscar/ Fechou a cerca, vai lá e pula/ A nega é braba tem que aturar”, dizem os versos. “Compreendi que falar de mim é falar sobre minha mãe, minha avó, minha irmã, todas nós”, destaca. “A solidão da mulher negra é um problema muito grande para a gente não dividir umas com as outras”, complementa a cantora.
Sexualidade. Colocado em rotação no último mês de fevereiro, o videoclipe de “Ninguém Perguntou por Você”, da performática Letícia Novaes, 37, mais conhecida como Letrux, despertou reações ao mostrar as atrizes Bruna Linzmeyer e Camila Pitanga em clima de sedução. “Sempre me preocupei com a terminação das palavras nas minhas letras, para que as músicas não atendessem apenas o desejo dos casais héteros”, conta Letrux. “Na verdade, sempre existiu um monte de gente gay desde a Grécia Antiga. Que bom que agora está em voga falar e defender a comunidade LGBT, mesmo porque o número de mortes cruéis contra essa população ainda é assustador”, afirma.
Autora de sambas desbragadamente políticos, como “Princesinha Underline 86”, Manu da Cuíca, 35, ergue suas bandeiras por meio da arte. “O dia a dia da mulher na rua é sempre a luta de um corpo político. Entendo a música como forma de militância. Sem diminuir os aspectos estéticos e torná-la meramente utilitária, ela é uma trincheira de disputas pela liberdade”, conclui.
Ouça nossa playlist de músicas engajadas: