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Os valores que movem as diretrizes do Vaticano
Rodrigo Coppe, doutor em ciências de religião, joga luz sobre os bastidores da Igreja Católica
Entrevista
Com a morte de Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, o 266 º sumo pontífice, há mais perguntas do que respostas sobre o futuro da Igreja Católica. Rodrigo Coppe, historiador, doutor em ciências da religião, professor e coordenador de cursos de mestrado e doutorado da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, joga luz sobre os bastidores do Vaticano.
Qual sua expectativa em relação ao perfil do novo papa, mais conservador ou progressista? Ele deve seguir as diretrizes de Francisco? É difícil categorizar a postura de Bergoglio, que foi um reformista que tentou resgatar e, inclusive, colocar nos trilhos o Concílio Vaticano II, encontro convocado pelo papa João XXIII, entre 1962 e 1965, com o objetivo de promover a renovação da Igreja, adaptando-a às necessidades do mundo moderno. Como qualquer outro concílio da história, este gerou certo desequilíbrio na instituição. Tivemos muita gente abandonando o hábito e a fé religiosa. Nos papados de João Paulo II e Bento XVI, houve uma tentativa de refrear algumas forças mais desagregadoras. Francisco assumiu uma retórica mais próxima do Concílio, evidenciada pelo fato de sempre se manifestar a favor do diálogo, convidando ao perdão e à misericórdia, relembrando João XXIII. O último Conclave escolheu Bergoglio, alguém fora do mundo europeu. Desde o Concílio de Trento, no século XVI, todos os papas foram italianos. Na década de 1970, veio um polonês (João Paulo II), depois um alemão (Bento XVI). Ao se deslocar para a América Latina, o Vaticano colocou a Igreja em uma perspectiva mais global, fazendo com que o rosto da Igreja Católica refletisse várias culturas.
Sete cardeais brasileiros vão participar do Conclave, que precisa de dois terços dos votos para eleger o novo papa. Qual deve ser a reflexão? Os cardeais vão debater sobre o que aconteceu no papado de Bergoglio e quais serão os desafios da Igreja. Ele teve algumas atitudes mais próximas do Concílio Vaticano II, com aspectos progressistas, mas foi, dentro de uma perspectiva moral, um conservador. Foi duro com o que se denominava “ideologia de gênero” e contra o aborto. Nesse sentido, me parece que a Igreja poderá considerar um papa mais moderado, acreditando que Francisco legou uma Igreja mais dividida. Nesse momento, tudo é especulação. Tendo a pensar em uma perspectiva mais moderada, que não vai jogar tudo fora, mas que, de alguma forma, vai tentar unir um pouco os antagonistas. A Igreja reflete o momento atual do mundo em que vivemos, muito polarizado, com as redes sociais. Um papa que fale sobre isso e que dê conta de trazer mais a união dentro da Igreja seria o ideal.
Há que se considerar o alcance do catolicismo no mundo? A Igreja está perdendo fiéis? Análises que têm sido feitas entre grupos progressistas apostam que o próximo papa será um conservador, mas a pergunta correta seria: progressista ou conservador em quê? Tudo é relativo. Já se aram 60 anos do Concílio Vaticano II, ele ainda não foi finalizado, mas qual seu resultado prático? Ser católico hoje é tido como algo contracultural. Muitas pessoas têm se mostrado indiferentes à religião, não vendo qualquer sentido nela. Como a Igreja vai lidar com isso? Os interesses políticos e econômicos do mundo estão girando em direção ao Pacífico. Na Europa, o cristianismo praticamente desapareceu, com um pequeno boom de conversões na França. Na América Latina ele está enfraquecendo, cedendo o lugar para a igreja evangélica. A Igreja também está caminhando para a África, onde mais cresce atualmente, mesmo com a presença pontual das religiões de matriz africana como pontos perdidos em um mundo evangélico. O cristianismo continua muito forte, mas o catolicismo na América Latina vem enfraquecendo. Na Ásia ele também cresce e é visto como a religião que levou o continente a um desenvolvimento econômico maior.
Há uma retomada da liturgia do catolicismo? Um fenômeno vem acontecendo entre os jovens que têm procurado pelos ritos antigos, como a missa celebrada em latim e a liturgia, como algo que dê um amparo. O ser humano é desamparado por natureza, mas, quando pensamos a religião em um mundo altamente desprotegido, sem pilar, sem em que acreditar, pode-se olhar para ela como uma instituição tradicional e vê-la como algo em que se pode acreditar. A tradição pode ajudar a repensar e a ressignificar a vida.
Qual o poder da Igreja Católica hoje? Ela tem um poder simbólico muito maior que qualquer Estado ou grupo. É uma instituição que tem 2.000 anos e tem o poder de eleger papas que podem atuar na diretriz que lhe for mais conveniente. Assim foi com Francisco, que substituiu Bento XVI, que vinha sendo muito bombardeado pela mídia. Depois de Francisco, o mundo se tornou papista. A Igreja, enquanto colégio cardinalício, não sabe o que deve fazer. São pessoas se perguntando o que fazer e para quê. Agora, a missão da Igreja é fazer com que as pessoas vivam e testemunhem o Evangelho. A partir de Francisco, o papa deverá saber lidar com isso, ocupar o seu território que vem sendo disputado por padres, como Frei Gilson. São muitas as questões com que a Igreja terá que lidar.
Como o senhor vê as profecias de Nostradamus e de são Malaquias sobre o último papa e a derrocada de Roma? São questões interessantes e que falam mais de nós, que queremos prever o futuro, do que sobre os rumos da Igreja. Joaquim de Fiore, abade e filósofo místico, considerava que existiriam três etapas da história, no desenvolvimento do mundo e da Igreja de Deus, correspondentes às três pessoas da Santíssima Trindade, sendo o Pai, a Igreja como o Filho, e o Espírito Santo, como a humanidade que estaria livre do pecado. Santo Agostinho, em sua obra “Cidade de Deus”, falou que o mundo iria acabar, e são Malaquias, sobre o fim da Igreja. Sob uma perspectiva teológica e bíblica, quando o mundo acaba, a Igreja acaba. As duas realidades caminham juntas. Essas abordagens falam de nossas inseguranças e desejos.
Qual seria o nosso lugar hoje enquanto humanidade? Perdemos o lugar do Pai, da autoridade, aquele que nos dizia o que fazer. Perdemos o lugar dessa autoridade, um lugar de amparo, e, quando se chega nesse ponto, há um lugar vazio, a gente se sente perdido, sem chão. Os jovens não sabem o que fazer, a cada momento acreditam em uma coisa diferente. As instituições estão todas desacreditadas. A pergunta é: o que as tradições religiosas, como a Igreja Católica, podem nos ensinar?
Obra de Nietzsche ganha adaptação
A comédia “Übermensch: Acima de Todos ou Demasiadamente Humano” estreia em Belo Horizonte (ver agenda). Escrita e dirigida pelo multifacetado Sartre, a peça traz uma adaptação irreverente e reflexiva da obra filosófica “Assim Falou Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche, propondo uma instigante reflexão sobre fé, poder e política.
“Muita gente vê Nietzsche como um filósofo antirreligioso e supernegativo em relação à humanidade, com uma visão depressiva das coisas. Mas na verdade é o contrário. Ele era extremamente religioso e crítico da forma como as pessoas aram a enxergar e tratar a fé. Algo que as castrava, que era muito mais baseado em medo de punição do que na satisfação de ser ‘filho daquele Criador’”, comenta o diretor Sartre.
E, diz ele, “principalmente, que trata a vida com uma agem, uma provação, um caminho para poder se beneficiar mesmo após a morte. Isso cria uma mentalidade de rebanho, em que não temos controle do nosso dia a dia por medo de errar. E esse medo é um poder na mão de terceiros”.
Sartre explica que é desse ponto que ele desenvolve o enredo da peça. “É uma reflexão sobre a relação com o poder político conquistado por meio da manipulação da fé das pessoas que colocam o bem na batalha contra ideologias malignas. E aí chegamos à pergunta: O que aconteceria se o Senhor, Todo-Poderoso, sofresse um impeachment?”
Na peça, “Zara teve a oportunidade de conhecer pessoalmente a divindade que ela considerava a razão de sua existência e por quem nutria uma devoção muito intensa, mas percebe que ele não é tão divino quanto imaginava”, diz Sartre. (AED)
AGENDA: O espetáculo será apresentado de 2 a 4 de maio, no Teatro Raul Belém Machado, e de 8 a 19 de maio, na Funarte-MG. Ingressos antecipados pelo Sympla a R$ 25. Link para compra de ingresso: linktr.ee/ubermensch.acimadetodos