Guilherme, 26, trocou o direito pela gastronomia e já teve sete empregos. A mãe dele, Adriana, 57, fez carreira no serviço público, e o pai, André, 59, está há 35 anos no mesmo escritório de advocacia. Luana, 40, é professora e escritora, exatamente como sonhou na infância. Já a mãe dela, Enelita, 70, trabalhou em casas de família e virou cozinheira. Juntos, eles representam a realidade do Brasil que, pela primeira vez na história, tem, ao mesmo tempo, quatro gerações trabalhando juntas. De baby boomer a Z, como as mudanças geracionais se refletiram no mercado de trabalho?
Uma pesquisa inédita feita pelo DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG em Belo Horizonte e região metropolitana traça um panorama de como a mudança no perfil da população tem impactado as trajetórias profissionais de diferentes grupos sociais. Se, dos mais velhos, 40,6% enxergam o trabalho como a parte mais importante da vida, entre os mais novos essa percepção cai praticamente pela metade (22,4%). O estudo “Perspectivas Intergeracionais no Mercado de Trabalho” considerou as quatro gerações economicamente ativas: baby bommer (acima de 61 anos); X (de 43 a 60 anos); millennials ou Y (de 31 a 42 anos); e Z (de 16 a 30 anos).
“As gerações anteriores colocaram a vida no trabalho. A geração Z coloca o trabalho na vida deles”, afirma a especialista em psicologia do trabalho Iracema Abranches. A pesquisa consegue mostrar numericamente essa diferença, quando pergunta: qual é o seu sonho no emprego? Para a geração Z, ser feliz (31,8%) é mais importante do que alcançar altos salários (15,9%). Para os millennials, o rendimento maior vem antes (20,6%) da felicidade (19,8%).
Foi procurando a felicidade que Guilherme Righi decidiu trocar de carreira. Como todo mundo da família era da área do direito, a princípio, ele foi por esse caminho. “Mas eu não era feliz, não estava fazendo aquilo que eu gostava”, conta. Ele, que desde criança gostava de cozinhar, tomou coragem para romper as expectativas, mas lembra que não foi fácil contar para os pais. “Eu não estava nem dormindo, aí cheguei para minha mãe e falei: ‘Tenho um negócio para te contar, não quero ficar no direito’. Nisso, eu já tinha me matriculado na faculdade de gastronomia”, recorda.
A decisão de Guilherme reflete um comportamento da geração Z, comprovado pela pesquisa DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG, que mostra que, para os mais jovens, transformar o sonho de infância em profissão é muito mais comum do que nas gerações anteriores. Entre aqueles que têm até 30 anos, 18,7% trabalham com o que sonharam quando eram crianças. Para os millennials, esse percentual cai pela metade (9,2%). Já na geração X, da qual André, pai de Guilherme, faz parte, apenas 1,3% conseguiu isso. “Meu sonho era ser veterinário, mas o curso era durante o dia e eu precisava trabalhar. Aí decidi ser prático, porque eu já tinha o curso técnico de contabilidade, atuava na área. Então, fiz ciências contábeis e depois fui para o direito”, conta André.
No caso da mãe de Guilherme, Adriana, a escolha da carreira seguiu a tradição familiar. “Escolhi essa profissão porque foi uma coisa natural, vim de uma família de servidores públicos”, diz. Formada em direito, ela trabalha no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MG), mesmo lugar onde os pais se aposentaram.
A mãe de Guilherme, Adriana, é servidora pública do TRT-MG; o pai trabalha no mesmo escritório de advocacia há 35 anos - Foto: Flávio Tavares/O TEMPO
Entre a geração Z, de Guilherme, e a X, dos pais dele, os millennials já começaram a priorizar mais os próprios desejos, unindo o sonho ao trabalho. Desde criança, Luana Tolentino, 40, queria ser professora.“É a materialização de um sonho, nunca quis ser outra coisa”, diz a educadora, que também virou escritora e já tem dois livros publicados.
“Os millennials e a geração Z veem o mercado de trabalho como uma oportunidade de desenvolvimento pessoal, e não apenas como uma necessidade de sobrevivência. Eles cresceram em um ambiente de constante digitalização e flexibilização do processo produtivo, desfrutando da estabilidade proporcionada pelos pais, das gerações anteriores. Mostraram-se mais dispostos a assumir riscos, buscando ambientes de trabalho que fossem estimulantes e alinhados aos seus interesses individuais, o que os tornou mais propensos a seguir seus sonhos”, afirma o analista de pesquisa do Instituto DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG Aldrey Guerrero.
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