SAÚDE E TRABALHO

Garantir saúde mental agora é obrigação

Com a atualização da NR-1 em maio, estresse, assédio e carga mental excessiva viram caso de segurança do trabalho

 

Nos últimos três anos, o Brasil viu o número de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais mais do que dobrar. Em 2022 foram 201 mil casos. Só em 2024 foram 472 mil, sendo mais da metade por ansiedade e depressão. Os dados são do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A questão tem chamado tanta atenção que o governo decidiu obrigar as empresas a criar ações para prevenir problemas de saúde mental. Elas têm até o fim de maio deste ano para adotar medidas que garantam o bem-estar psicológico dos trabalhadores, e quem não cumprir pode ser multado.

A exigência vem a partir da atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Com a mudança, estresse, assédio e carga mental excessiva viram caso de segurança do trabalho, e assegurar esses cuidados entra para o mesmo rol de obrigações que exigem que a empresa garanta Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos colaboradores.

Mas o que vai se tornar obrigatório a partir de agora algumas empresas já estão fazendo por conta própria há um tempo, pois começaram a perceber a importância de oferecer benefícios como terapia gratuita para os funcionários. “Para melhorar as condições de trabalho, os ergonomistas não vão ver a estrutura, a altura da mesa e a iluminação? Então, agora, além da saúde física, olhar para a saúde mental também é essencial. Os dois precisam andar juntos”, explica a psicóloga e pesquisadora de ansiedade social Iracema Abranches.

De fato, as empresas têm prestado mais atenção a essa necessidade. De 2023 para 2024, a Wellhub, plataforma de bem-estar corporativo, registrou um crescimento de 50% na contratação do seu aplicativo Wellz, que dá o a soluções de saúde emocional para colaboradores. Segundo levantamento da plataforma, 68% deles não teriam condições financeiras de arcar com esses cuidados, o que indica que a busca por ajuda profissional é diretamente influenciada pela renda.

“Uma consulta com psicólogo é muito cara, fora do alcance de muitos, e esse benefício dado pela empresa torna isso totalmente ível”, destaca o analista de TI do Grupo SADA Leonardo Moreira. Foi nessa empresa que ele conheceu a plataforma. Antes, tinha ado por dois empregos que afetaram tanto sua saúde mental que os impactos ainda se refletiam no dia a dia de trabalho na nova companhia. “Quando cheguei ao Grupo SADA, o estrago já tinha sido feito. Eu já agia na defensiva, não tinha paciência para argumentar para resolver minhas atribuições”, relembra.

Leonardo afirma que, se não tivesse o à terapia por meio da empresa, até teria pagado, mas não teria condições de usar o serviço regularmente. “Eu faria bem menos sessões e por um tempo mais curto. Ter isso como benefício aumenta a qualidade de vida, ainda mais sem custo. É um diferencial”, reconhece.

Também foi um diferencial no bolso de Pietra Comenda. Quando ela começou a trabalhar como analista de marketing na Hotmart, já fazia terapia. Mas, ao descobrir que poderia ter o tratamento custeado pela empresa, por meio da plataforma online Conecta Saúde, decidiu fazer a migração. “Sei que não são muitas as empresas que fornecem um benefício tão específico. Oferecer cuidado psicológico me soa extremamente positivo, porque, da mesma forma que a companhia se preocupa com a saúde física dos seus funcionários, ela também se preocupa com a saúde mental, que é igualmente importante, pois, caso ela esteja enfraquecida, pode ser tão debilitante quanto”, diz Pietra.

Quem dá o benefício também ganha

Colocar a saúde mental dos trabalhadores como foco de cuidado traz ganhos não só para quem recebe o auxílio, mas também para quem oferece os programas de o à terapia. “Esse cuidado é muito bem percebido por nossos colaboradores e um dos principais atributos da nossa marca empregadora. Sem essa preocupação, não seríamos reconhecidos como uma ótima empresa para se trabalhar”, conta a diretora de recursos humanos da Hotmart, Marilia Montagnoli.

Os cuidados acabam se refletindo no desempenho profissional. “Recebemos s de líderes que observaram uma evolução nesses colaboradores. Alguns já relataram melhorias no relacionamento familiar e na interação com colegas de trabalho, além de aumento da autoestima, o que impacta diversos aspectos de suas vidas”, ressalta a gerente de desenvolvimento humano e organizacional do Grupo SADA, Flávia Capelli.

Para a especialista em psicologia e ansiedade social Iracema Abranches, a saúde mental está determinando a forma de produção organizacional. “As empresas que não perceberem isso vão ficar para trás, pois o alto índice de rotatividade é prejudicial financeiramente – é tempo dispensado, é dinheiro gasto. Então, se não se atentarem para isso, vão ter problema”, adverte.

No entanto, na visão de Iracema, nem todas as organizações enxergam esse benefício como um investimento, porque os convênios geram custos. “Mas é um custo em prol da manutenção do quadro de funcionários”, pondera.

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