COMPLEMENTO DE RENDA

Muito além de salário, eles querem benefícios

Levantamento mostra que um em cada três lojistas aponta a alta rotatividade como o principal desafio para contratar a geração Z

 

Quando Rayssa Natallye começou a trabalhar em uma loja de roupas de um shopping, imediatamente percebeu que a maioria dos funcionários não ficava nem três meses nas vagas. Quando ela foi promovida a supervisora, começou a sentir na pele o impacto que essa alta rotatividade gerava no comércio. “Tem uns dez meses que a gente está tentando montar a equipe. Precisamos de 18 funcionários para fechar o quadro, mas só conseguimos preencher sete vagas”, relata.

Essa dificuldade faz parte do dia a dia do comércio, principalmente para quem busca funcionários mais novos. Após percorrer cem lojas de rua e shopping, a reportagem detectou que pelo menos um em cada três comerciantes aponta a alta rotatividade de funcionários da geração Z (de 16 a 30 anos) como o principal desafio. Os dados são de um levantamento realizado por O TEMPO / FECOMÉRCIO MG, em fevereiro de 2025, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Para a economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-MG) Fernanda Gonçalves, as condições das vagas oferecidas influenciam diretamente o tempo de permanência. “Quando ofereço um salário mais baixo e menos benefícios, a rotatividade é uma consequência”, explica.

Foi exatamente a falta de benefícios que levou Beatriz Souza (nome fictício) a pedir demissão da loja onde trabalhava, em um shopping. Com vale-refeição de apenas R$ 10 por dia para uma jornada de oito horas, ela não conseguia bancar a alimentação. “Ou eu levava marmita, ou ava fome. Com esse valor, em um shopping, não dava nem para comprar uma bala”, desabafa.

De acordo com a pesquisa “Perspectivas Intergeracionais sobre o Mercado de Trabalho”, realizada pelo instituto, em fevereiro de 2025, na região metropolitana de Belo Horizonte, o vale-refeição é o segundo benefício mais valorizado pela geração Z. Indicado por 21% dos entrevistados, só perde para o plano de saúde, escolhido por 26% deles.

Na loja em que trabalhava, Beatriz tinha o a outros benefícios, como “gym”, que subsidia gastos com academia, e terapia online gratuita. Mas a falta do básico era o que mais pesava para ela. “Muitas vezes eu comprava dois salgados com os R$ 10 do vale, ou eu complementava o almoço do meu bolso. Literalmente, eu pagava para trabalhar”, relembra.

Assim que conseguiu um emprego com um vale-refeição maior, Beatriz pediu demissão. Hoje, ela segue trabalhando como vendedora, recebendo um salário parecido com o da antiga loja, mas com um auxílio para alimentação maior. Para ela, isso já é o suficiente para querer permanecer no emprego. “Agora que eu não preciso complementar o almoço, meu salário é só meu”, destaca.

Para quem busca um emprego de carteira assinada, os benefícios básicos funcionam como um complemento da renda. “Receber vale-alimentação, vale-refeição e assistência médica reduz os gastos. Isso é importante porque estamos em um momento de inflação alta, tudo está mais caro. E a maioria de quem se candidata a uma vaga de vendedor mora de aluguel, tem carro, família, filhos, ou seja, muitas despesas”, explica a supervisora de loja Rayssa Natallye.

A geração Z é apontada pelo levantamento da reportagem como a campeã de rotatividade, sendo aqueles que ficam menos tempo nos cargos. Enquanto essa questão foi sinalizada por 34% dos lojistas como o principal problema dos trabalhadores de até 28 anos, para funcionários acima dessa idade o percentual caiu para 11%.

Na visão de Rayssa, que faz parte da geração Z, as explicações vão além da idade. “No nosso caso, a maior dificuldade é o piso salarial. Eu trabalho no shopping. Por causa dos horários estendidos e fins de semana, nem todas as pessoas querem trabalhar aqui. Tem também a distância”, destaca.

Emprego melhor

De acordo com informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 25,5% dos vendedores do varejo têm entre 18 e 24 anos. A base de dados é do Guia Brasileiro de Ocupações de 2022. “A predominância de funcionários de até 24 anos acontece porque é nesse setor que, mais tradicionalmente, as pessoas encontram a primeira oportunidade de emprego. Então é natural que sejam mais jovens”, explica a economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-MG) Fernanda Gonçalves.

E, se estão começando a vida profissional, é natural que encarem o trabalho no comércio como uma agem, até que chegue uma oportunidade de atuar na área de formação ou de ganhar um pouco mais. Quanto mais novos, maior é a esperança de encontrar um emprego melhor.

A pesquisa “Perspectivas Intergeracionais sobre o Mercado de Trabalho”, realizada pelo instituto DATATEMPO / Fecomércio MG, em fevereiro de 2025, na região metropolitana de Belo Horizonte, revela que essa é a expectativa de 87% da geração Z (16 a 30 anos). Entre os millennials (31 a 42 anos), o percentual é de 76%, caindo para 73,5% na geração X (43 a 60 anos) e para 35% nos baby boomers (mais de 60 anos). 

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