FORMAÇÃO

Não há vagas para todos, mas diploma ainda é decisivo

Brasil viu o número de formandos em cursos superiores triplicar nas duas últimas décadas, mas 36% nunca trabalharam em sua área

 

O número de brasileiros com curso superior triplicou nas últimas duas décadas, ando de 6,8% para 18,4% dos adultos com mais de 25 anos, segundo dados do IBGE. Mas, com o mercado competitivo, nem sempre tem vaga para todo mundo. Tanto que, segundo a pesquisa “Perspectivas Intergeracionais no Mercado de Trabalho”, conduzida pela DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG em fevereiro de 2025, na região metropolitana de Belo Horizonte, 36,3% de quem concluiu uma faculdade nunca trabalhou na área de formação. Mesmo assim, independentemente da geração, o diploma continua fazendo toda a diferença.

De Z a baby boomers, seis em cada dez trabalhadores afirmaram que o curso superior havia sido decisivo para conseguir o atual emprego.“O diploma de ensino superior de qualquer graduação, ou mesmo uma graduação técnica, continua sendo, sem sombra de dúvida, um diferencial importante dentro do mercado de trabalho. Isso acontece mesmo considerando um cenário em que nem todos os formandos conseguem atuar na sua área”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – seção Minas Gerais (ABRH-MG), David Braga.

Para Braga, a questão não começa no diploma, mas sim na escolha da profissão. “Primeiro, é preciso buscar autoconhecimento para entender qual é o propósito de cada um. Além disso, tem que saber se o conhecimento que você obteve na faculdade coincide com as principais competências e habilidades que você vai ter que exercer para atuar dentro de uma empresa”, analisa.

E foi justamente por não ter feito essa reflexão, lá atrás, quando escolheu fazer biologia, que Oseias Rodrigues, 32, acabou retornando ao setor do comércio, onde já trabalhava antes do curso universitário. “A biologia era um sonho de infância, mas, quando me formei, já estava estabilizado financeiramente no comércio. Optei por não seguir na área e continuei no varejo. Não aconselho ninguém a entrar na faculdade logo após o ensino médio sem ter certeza do que quer. Vi muitas pessoas abandonando o curso ou mudando de área depois de formadas”, conta o gerente de uma loja de moda masculina.

Para explicar por que tanta gente não consegue atuar na área em que se gradua, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Anselmo Santos observa que as estruturas de produção dos setores de atividades vão se modificando ao longo do tempo, e são essas mudanças que determinarão o perfil de profissional que o mercado vai demandar. “É preciso considerar o tipo de trabalho que essas estruturas estão criando, as áreas que estão crescendo e oferecendo mais vagas. São áreas avançadas, ligadas à tecnologia? São ligadas ao setor de serviços? Temos que entender isso”, analisa Santos.

Segundo o professor, o cenário econômico também deve ser levado em conta. Ele pontua que a estagnação do Brasil na última década teve um impacto direto na capacidade de gerar novos empregos e absorver os recém-formados a cada ano. “A partir do último trimestre de 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) começou a cair, e o ritmo de crescimento ou a ser baixíssimo, em torno de 1%. Como consequência, amos a ter um desemprego estrutural e uma informalidade imensa”, avalia Santos, que é pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit).

Políticas públicas

Para o doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG Cláudio Paixão, o excesso de profissionais em determinadas áreas é consequência de alguns equívocos de políticas públicas criadas para financiar o ensino superior. Ele critica o fato de o governo ter priorizado as instituições privadas em vez das públicas. “O governo não exigiu contrapartida. Investiu-se na instituição particular, e não no aluno. Esse aluno tinha uma formação para quê? Para ser empreendedor”, analisa Paixão.

Na avaliação do professor, essa estratégia criou expectativas ilusórias de emprego garantido para os graduados, resultando em um grande contingente de profissionais desempregados ou subempregados em áreas saturadas, como direito, psicologia e pedagogia. “Eu acredito que deveria ter investido mais nas universidades públicas e em cursos técnicos bons para quem precisava trabalhar”, considera.

Segundo o Censo da Educação Superior divulgado em 2024, as instituições privadas concentraram 79,3% das matrículas no ensino superior no Brasil, totalizando 7,9 milhões de alunos. Já as instituições públicas registraram 20,7%, com 2 milhões de estudantes.

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