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Saúde mental: Novas gerações são mais adeptas da terapia

Pesquisa mostra que 61,7% da geração Z renunciariam à carreira para cuidar da saúde mental

 

A preocupação de cuidar da saúde mental vem aumentando de geração para geração. A cada cem millennials (de 31 a 42 anos), 36 fazem ou já fizeram terapia. E a adesão aumenta entre os mais jovens: praticamente metade da geração Z já recorre a ajuda profissional. Os dados da pesquisa Perspectivas Intergeracionais sobre o Mercado de Trabalho, realizada pela DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG na região metropolitana de Belo Horizonte em fevereiro de 2025, revelam que 48,6% de quem tem entre 16 e 30 anos já fez ou faz terapia.

Entre os mais velhos, que fazem parte da geração X (de 43 a 60 anos), a disposição para esse cuidado é menor: 29,8%. Segundo a especialista em ansiedade social e psicologia do trabalho Iracema Abranches, é preciso considerar o contexto histórico para entender a evolução da aceitação da terapia. Ela lembra que a geração X é filha de uma geração do pós-guerra, que precisava lutar para sobreviver e, portanto, aprendeu que a prioridade era a estabilidade.

Já os millennials seriam fruto de conflitos que a geração X não tratou porque estava mais preocupada com a segurança financeira, o que fez com que tivessem mais necessidade e iniciativa de buscar tratamento. “Os millennials começaram a perceber que precisavam de um e profissional para buscar soluções para a própria vida. Agora, a geração Z já nasce num mundo mais ‘psicologizado’, e eles já vêm mais ‘terapizados’. Com as transformações do mundo e o avanço da tecnologia, as relações interpessoais foram afetadas, as pessoas ficaram mais individualizadas e aram a procurar mais terapia”, avalia.

Além das questões geracionais, a especialista ressalta que é preciso levar em conta fatores socioeconômicos e culturais que foram mudando o mercado de trabalho. As pressões aumentaram, e a terapia foi se popularizando. Entre os anos de 2013 e 2023, a oferta de cursos de psicologia cresceu 129% no Brasil, e mais de 346 mil novas pessoas concluíram a formação no país. Os dados são do Estatístico do Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “A psicologia clínica era elitista. Só fazia quem tinha muita grana, mas, com o ar do tempo, foi chegando mais próximo dos outros grupos e se aproximando de pessoas vulneráveis, que sofrem mais com o sistema”, explica Iracema.

Com a popularização a cada nova geração, a terapia foi perdendo o estigma de ser “coisa de doido”. “Por muito tempo, essa foi a fala usada como justificativa real para não procurar terapia. Isso foi sendo desmistificado com o tempo”, destaca a especialista.

Prioridade ao bem-estar

A preocupação da geração Z com o bem-estar psicológico já está impactando o mercado de trabalho. Segundo a pesquisa do DATATEMPO/FECOMÉRCIO MG, das pessoas de 16 a 30 anos entrevistadas, 61,7% afirmam que renunciariam à carreira para cuidar da saúde mental. Amanda Souza (nome fictício) não chegou a abrir mão da carreira, mas, quando o estresse do trabalho começou a comprometer seu emocional, não pensou duas vezes antes de pedir demissão.

Aos 25 anos, ela começou a trabalhar em um cinema de shopping, das 15h30 até 1h. Ficou no emprego por um ano, mas saiu depois de desenvolver ansiedade e depressão. Para ela, era difícil ar os desvios de função, as cobranças excessivas e as demandas irreais. Ao longo dos meses, essa dinâmica intensa do trabalho em shopping, somada à falta de benefícios e à baixa remuneração, foi, aos poucos, minando seu bem-estar.

“Você deixa de ter vida. Eu parei de ver minha família e de comemorar os momentos com eles. Nos meus dias de folga, o cansaço era tão grande que eu só queria ficar na cama, dormindo. Eu não saía nem eava, não fazia nada, porque a exaustão era tanta que faltava ânimo até para levantar”, afirma.

Não demorou muito para que os problemas da saúde mental afetassem também a saúde física. “A minha imunidade vivia baixa, eu tive infecções, gastrite nervosa e insônia. As crises de ansiedade se tornaram mais frequentes. Eu vivia no piloto automático, apenas sobrevivendo”, relembra Amanda.

A solução foi pedir demissão – momento que ela descreve como um dos melhores da sua vida. Por um tempo, Amanda precisou usar medicação para melhorar. Hoje, está buscando uma nova oportunidade de trabalho, mas tem certeza de que só ficará em um lugar que preze pela sua saúde mental. “Eu já decidi que não vou me submeter mais a esse tipo de emprego por causa de dinheiro. Não vale a pena. Não tem dinheiro no mundo que valha a nossa saúde”, afirma.

Geração Z está mais disposta a reagir

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos de Minas Gerais (ABRH-MG), David Braga, a geração Z está mais disposta a reagir a condições adversas e ao assédio, buscando ambientes de trabalho mais saudáveis e inclusivos e que tenham mais conexão com seus propósitos.

“É uma geração que sabe com mais clareza seus valores e prioriza o bem-estar, a saúde mental, a justiça social e o equilíbrio. Portanto, o ambiente de trabalho que não respeita esses valores não vai conseguir manter os colaboradores dessa geração”, analisa.

As mudanças sociais e no mercado de trabalho também contribuem para que os números de quem busca tratamento profissional sejam maiores entre a geração Z em relação às demais faixas etárias.

“Estamos na fase de transição de profissões. Algumas estão morrendo, e outras estão nascendo. Isso tem deixado quem está na geração Z meio perdido, pois eles estão escolhendo suas carreiras, redesenhando suas profissões e não sabem para qual caminho vão”, afirma a especialista em ansiedade social e psicologia do trabalho Iracema Abranches.

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