O novo corredor gastronômico e cultural de Belo Horizonte
Depois do boom do Mercado Novo, praça Raul Soares recebe novos estabelecimentos, que agitam a região
Numa sexta-feira à noite, as doutorandas em economia Beatriz Barros, 28, e Ana Bragança, 28, estavam à procura de um lugar para um drink leve antes de voltar à jornada de escrita de suas teses. ando pela praça Raul Soares, notaram uma varanda que até um ano atrás não tinha vida, mas que, naquele dia, estava diferente. “Quando vimos as luzinhas, o movimento, percebemos que era uma pegada parecida com a do Mercado Novo. Aí entramos”, comenta Beatriz. Era a Galeria São Vicente, espaço na praça Raul Soares que vem atraindo pessoas e consolidando a região como o novo corredor gastronômico da capital mineira, que também engloba o edifício Maletta.
A percepção das duas acabou se confirmando. Realmente, o novo empreendimento pegou referências do Mercado Novo para criar sua própria proposta de ocupação criativa. “Um engenheiro de obra pronta é muito mais fácil de trabalhar. Eu cheguei num pós-momento, em que eu tinha grandes exemplos para seguir, e aqueles com que eu tive contato mais próximo, eu apreciei os projetos e vi o potencial deles”, destaca Túlio D’angelo, advogado, empresário que está à frente do Bar Palito e do Chopp Bolacha, localizados na Galeria São Vicente, do qual também é o curador.
Segundo D’angelo, o novo estabelecimento comercial se inspirou também em espaços já consagrados da cidade, como o Mercado Central e o Maletta. Além disso, a história da Galeria foi essencial para criar o conceito do local, que é a última varanda aberta com vista para a praça Raul Soares e chega a receber mais de mil pessoas em uma noite.
Embora a retomada da Galeria tenha começado há cerca de um ano, o corredor gastronômico que vem se formando na praça Raul Soares não é recente. Ele começou a surgir há cinco anos, com o olhar visionário de Rafael Quick, dono de diversos bares e restaurantes em BH. “O centro tem esse potencial de ser esse lugar inclusivo, culturalmente muito diverso e pulsante”, comenta Quick, que é o curador do Mercado Novo, um dos principais points noturnos da cidade atualmente.
O empresário foi um dos incentivadores da ocupação criativa da região quando decidiu pesquisar a história do Mercado Novo e criar ali um polo de bares e restaurantes, que incentivou outros estabelecimentos. “A nossa proposta foi fazer um movimento de ocupação que usava como seu maior ativo de transformação a história de autenticidade do Mercado, que era a história das pessoas que estavam aqui”, explica Rafael Quick.
Ao contrário do que alguns belo-horizontinos pouco familiarizados com o centro possam imaginar, desde sua inauguração, em 1963, o Mercado Novo tem alguns estabelecimentos que se mantiveram ali apesar do abandono. E no início, para desenvolver o conceito do local, Rafael Quick conversou com os comerciantes mais antigos do Mercado. Com isso, além de abrir a Cozinha Tupis e a Cervejaria Viela, o empresário montou uma palestra semanal contando a história do Mercado Novo para inspirar os empreendedores interessados.
“A gente se propôs a olhar para a identidade e estética do centro e do Mercado Novo como uma fonte de inspiração. De olhar para isso com o mesmo respeito que a gente olha para uma coisa de fora. A pessoa vai à Europa ou a outro lugar, vê um mercado local e fala: ‘Uau, que maravilhoso’. E aí volta e quer trazer aquilo para cá. Só que, na verdade, o que a gente entendeu é que os mercados são significativos porque eles representam a cultura de onde estão. O que a gente podia oferecer de mais legal era ser o próprio Mercado”, ressalta.
Além de destacar a história do prédio, resgatando esse ado da capital, outras estratégias do Mercado Novo serviram de inspiração para Túlio D’angelo. Entre elas, a organização interna por meio do estatuto, contendo regras e conceitos estéticos para preservar a imagem do local, e a oferta de serviços autênticos em cada estabelecimento, evitando a competição direta entre os comerciantes.
O incentivo ao comércio no próprio local, com o consumo de insumos e produtos comprados dos antigos comerciantes, também foi uma preocupação de Rafael Quick que inspirou Túlio D’angelo. “A gente amarrou a coisa de um jeito para tentar evitar ao máximo que gentrificasse (processo de mudar o caráter de um ambiente com a chegada de novos residentes ou empresas) o espaço e que a nossa presença aqui significasse uma expulsão de quem estava”, explica.
Embora as estratégias de ocupação criativa guiem a Galeria, para D’angelo, o que tem atraído as pessoas não é só o conceito, mas também a qualidade das ofertas. “Hoje em dia falamos muito sobre marketing e todos esses detalhes, só que esquecemos que você tem que servir uma coisa muito incrível, que tem que ser muito gostoso e autêntico. Esse produto é o que atrai”, diz.
Com luzes acesas, Galeria São Vicente atrai curiosos que viram fregueses
A retomada da Galeria São Vicente tem cerca de um ano, e hoje o local tem dez estabelecimentos com ofertas para todos os gostos: drinks tradicionais, choperias, bebida fermentada, culinária de Nova Orleans, vinhos e até um centro de terapias integrativas com tarô, velas aromáticas e home sprays, chamado A Tenda. E essa variedade de ofertas atrai públicos diferentes, que ajudam no fortalecimento do local.
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“Toda semana chegam pessoas que não conheciam ou que vieram porque estavam ando de carro ou de ônibus e viram alguma coisa acontecendo na varanda. E eu acho que o fato de as coisas irem abrindo progressivamente vai trazendo novas camadas de público que até então não tinha”, destaca Daniel Menezes, sócio do A Tenda.