Cenário em BH

Videolocadoras e lojas de CD sobrevivem ao oferecer o que o streaming não tem

Comerciantes defendem acervo como diferencial em relação às plataformas de vídeo e de música

Por Laura Maria
Atualizado em 07 de junho de 2024 | 17:56

 

Antes dos serviços de streaming, a experiência de ver um filme em casa tinha início bem antes do play. Começava com uma ida na locadora, preferencialmente às sextas-feiras – dessa forma, era possível ficar com as películas para assisti-las ao longo do fim de semana. Depois, a missão, que poderia durar minutos ou horas, era escolher e alugar três ou quatro exemplares das estantes que se abarrotavam de videocassetes, DVDs ou blu-rays.

 

De quebra, ainda podia rolar uma conversa entre locatários para indicar ou não algum filme em destaque. O experimento culminava em rebobinar a fita cassete, quando era o caso, e devolvê-la ao estabelecimento. Ouvir música também poderia significar uma experiência à parte, em um processo que ia desde entrar em uma cabine individual para ouvir faixas de um novo CD até a sensação de tirar o plástico que envolvia o pequeno disco para colocá-lo para tocar em um CD Player.

 

A descrição pode remeter a um ado distante, com lembranças de um tempo que definitivamente ficou para trás. De fato, as locadoras de filmes e lojas de CD perderam quase todo o seu espaço primeiro para a pirataria, e, depois, para as plataformas de streaming. Para se ter uma ideia, o país chegou a registrar quase 18 mil videolocadoras em 1996, número este que caiu para cerca de 3 mil em 2017, segundo os últimos dados contabilizados pela União Brasileira de Vídeo (UBV), associação de empresas do audiovisual, que hoje sequer existe mais.

 

 

O mercado de CDs também não anda bem faz tempo. A Sony Music não produz mais o formato por aqui, e os lojistas reclamam que mal encontram-se gravadoras para comprar esse tipo de mídia. Vale ressaltar que os discos de vinil não entram nesta conta, porque, de uns anos para cá, eles voltaram ao gosto dos amantes da música, chegando a ultraar, em 2023, pela primeira vez em 35 anos, a venda de CDs, segundo relatório da Associação Americana da Indústria de Gravação.

 

Mas na contramão desse cenário desolador, algumas poucas videolocadoras e lojas de CD de Belo Horizonte seguem resistindo em um mercado cada vez mais inóspito. Mesmo com uma clientela escassa, e, por vezes, trabalhando apenas para pagar as contas, os proprietários desses estabelecimentos contam com compradores fiéis, como colecionadores ou saudositas, e revelam um trunfo: eles têm o que streaming não tem. Ou seja, defendem que há mais chances de encontrar obras raras e antigas em lojas físicas que nas plataformas de entretenimento on-line, argumento este respaldado pelos consumidores desse tipo de mídia.

 

O proprietário da Star Vídeo, videolocadora que funciona no bairro Luxemburgo desde 1992, Randolfo Paiva, por exemplo, tinha nas mãos um DVD valioso quando recebeu a reportagem de O TEMPO. “Os filmes da diretora belga Chantal Akerman são raros, e um deles, o ‘Jeanne Dielman’ (1975), foi considerado uma obra-prima do século ado. Como as pessoas o procuram na internet e não o encontram, ligam para cá, onde descobrem esse filme. A minha sessão de clássicos é imbatível”, orgulha-se. Mas as locações não se atém somente às produções cinematográficas eruditas. “O povo não acha o primeiro filme da franquia do ‘Esqueceram de Mim’ na internet, especialmente no Natal. O recurso é vir aqui para alugar”, acentua. 

Star Vídeo está localizada no bairro Luxembrugo

Marlene Lisboa, que há 31 anos comanda a ArtVídeo, concorda com Randolfo. “O que as pessoas não encontram no streaming, elas vêm procurar aqui. Nas plataformas digitais, tem pouquíssimos filmes clássicos”, indica a proprietária da videolocadora localizada na Savassi. Com uma coleção de aproximadamente 600 DVD’s, o publicitário Vinicius de Carvalho, de 41 anos, mal a as plataformas digitais quando assiste a uma obra cinematográfica.

 

“O streaming é muito inconstante. Muitos filmes não vão entrar lá, como os da década de 20, por exemplo. E quando as obras estão lá, têm prazo de validade para sair. Por isso, acho tão importante a mídia física”, diz. “Na locadora, você tem uma experiência muito mais rica, pode conversar com outras pessoas que também estão escolhendo um filme, enquanto ver um filme no streaming se tornou algo banal”, assinala, acentuando que, quando se propõe assistir uma película, elabora uma experiência imersiva, com uso de projetor e home theater. “Gosto de cinema em casa”, revela.

Vinicius diz que gosta de 'filme bom'

Na seara da venda dos CDs, a lógica funciona de maneira semelhante, apesar de ter suas especificidades. À frente da loja Discomonia, em funcionamento no bairro Funcionários desde 1979, Carlo Giatti conta que muitos clientes vão até a loja em busca de algo físico de seus ídolos. “Quando está na época da turnê de um grande artista, como Taylor Swift, por exemplo, a meninada vem até a loja buscar pelo CD dela”, aponta Giatti.

 

Dentre as gravadoras onde Giatti compra CDs, está a carioca Biscoito Fino, que se concentra produção de música popular brasileira. Diretor-executivo da gravadora, Jorge Lopes corrobora com a ação do proprietário da Discomania. “Nosso público é bem diferenciado, e, sobretudo, qualificado. São consumidores que dão muita importância aos conteúdos físicos, querem ter todas as informações que, muitas vezes, as plataformas digitais não disponibilizam. Muitos preferem ainda os formatos CD e vinil”, reforça.

 

Alina Franco, proprietária da Discoplay, aberta na centro de Belo Horizonte há 42 anos, também atendeu a esse tipo de demanda por muito tempo, mas ite que hoje esse trabalho está mais devagar. “Tenho comprado com bem menos frequência. A produção nacional, então, quase desapareceu. Existe uma ou duas gravadores que vendem, mas o custo é alto, e os clientes acabam ‘chorando’ pelo valor”, reclama. Realmente, o diretor-executivo da gravadora reconhece que a produção encareceu. “Hoje em dia, o custo fabril de um CD/DVD é muito alto, o que muitas vezes inviabiliza os lançamentos nos formatos físicos”, comenta, destacando, que nem sempre consegue atender os artistas que pedem por esse tipo de e.