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Aldeia Sanöma-Yanomami: 3 mil indígenas estão isolados e com fome

Comunidade está localizada no alto do rio Auaris, a quase três horas de voo de Boa Vista e o é difícil

Por Lucas Morais
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

No extremo norte do Estado de Roraima, cerca de 3.000 Yanomami vivem espalhados ao longo do alto rio Auaris, a uma distância de quase três horas de avião da capital Boa Vista. Entre as florestas que ocupam as montanhas, a fome que insiste em não ar cresceu ainda mais para o povo denominado Sanöma, cuja língua é a terceira mais falada no território indígena. Além dos impactos do garimpo ilegal, que aliciou jovens e levou doenças como a malária, mais de dois anos de cheia impactaram fortemente as lavouras.

 

“Aqueles que plantaram um pouco não conseguiram colher, porque a chuva não deixou crescer, e ao mesmo tempo alagou. No terceiro ano, veio a fome ainda mais forte”, explica o presidente da Associação Ipasali Sanuwa, que representa o povo da região, Matheus Sanöma. Mesmo após o anúncio das medidas emergenciais do governo federal para conter a crise humanitária entre os Yanomami, o socorro chega devagar à região, segundo a liderança. “A nossa região é uma das mais distantes das outras localidades, e, por isso, as coisas não chegam rápido também”, conta.

 

Na própria língua Sanöma, Matheus recordava os tempos de outrora. A reportagem de O TEMPO contou com o apoio de um intérprete durante a conversa. “Antes de os não indígenas chegarem à nossa região, nós vivíamos tranquilos, em harmonia com a natureza. As crianças cresciam, e a gente tinha uma vida tranquila. Construíamos as nossas roças e crescíamos de forma rápida, porque vivíamos em harmonia”, relata. Com o garimpo, muitos homens migraram para as regiões de exploração ilegal e deixaram as mulheres sozinhas, o que trouxe todo um desequilíbrio social e alimentar – na cultura Yanomami, a caça é responsabilidade masculina.

 

“Diminuíram as nossas forças, não conseguimos ter energia para construir as roças como fazíamos antes. Estamos sofrendo”, acrescenta. A região do rio Auaris fica a quase 445 km de Boa Vista e conta com uma pista de pouso, porém, nas comunidades mais remotas do povo Sanöma, só é possível chegar de helicóptero ou em aviões de menor porte, que comportam no máximo 500 kg.

 

Jovem liderança indígena, Enio Yanomami, que faz parte da Hutukara, outra associação que representa a população local, reforça que a logística atrasa a chegada de reforço.

 

Além da região de Auaris, no qual vive o povo Sanöma, a situação é dramática nas comunidades no entorno de Surucucu. “A limitação para entregar alimentos é a dificuldade de encontrar voo. E, quando chega em alguma base (polo de saúde ou do Exército), tem que chamar outras comunidades para ajudar na distribuição, que, muitas vezes, só acontece a pé”, enfatiza.

 

A entidade ainda recebe doações para apoiar as ações emergenciais. Como as entregas são realizadas pela Força Aérea Brasileira do alto, com os alimentos lançados através de pequenos paraquedas, algumas vezes as embalagens podem se romper. Cerca de 4.000 cestas básicas já foram entregues.

 

Produção de alimento é um desafio

 

Diante de uma população de 31.007 indígenas, o número de cestas básicas distribuídas parece ínfimo diante da fome que assola o território – 4.090 até o início do mês foram entregues pelo Comando Operacional Conjunto Amazônia. Nos pacotes, há arroz, feijão, farinha, leite em pó e até lata de sardinha, itens que não são comuns na alimentação Yanomami. Para a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que esteve na região nos últimos dias, mais do que ampliar a entrega de alimentos, é necessário selecioná-los.

 

“Estamos fazendo um estudo para a compra de alimentos de outras terras indígenas ou mesmo da área Yanomami, que tem produção de banana, melancia, outros alimentos, para serem adquiridos e oferecidos. Estamos programando fazer a compra local para levar os alimentos que são do costume e do hábito alimentar deles”, disse Sonia.

 

Muito além de toda a ajuda emergencial, a ministra pontuou que é preciso dar condições para que os Yanomami tenham de volta sua autonomia e consigam superar as adversidades que os levaram à fome. “Estamos buscando esse plano de produção de alimentos, entregando as ferramentas e sementes para que eles voltem a produzir seus alimentos. E por isso é urgente a retirada dos garimpeiros do território para que os indígenas possam ter segurança em circular, plantar suas roças e viver livremente. É preciso garantir a proteção da terra e manter uma base permanente de fiscalização para evitar a volta dos invasores”, acrescentou a ministra, durante visita a Boa Vista no dia 6.