Ajuda humanitária

Alimentos chegam às comunidades Yanomami por helicópteros e aviões

A ajuda vem do céu, mas pista de pouso no meio da floresta está danificada e afeta atendimentos ao posto de saúde

Por Aline Diniz
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

Nas 30 horas que nós, da equipe de O TEMPO, ficamos no Território Indígena Yanomami (TIY), o estridente som das aeronaves era o mais comum de se ouvir. O silêncio da floresta só volta com o anoitecer. Afinal, a principal e mais rápida forma de entrar e sair da área é pelo ar. Em Surucucu (RR), a pista de 1.067 m em frente ao 4º Pelotão Especial de Fronteira (PEF) é a única para atender cerca de 14 mil indígenas na região. Chegamos ao posto, a 354 km de Boa Vista, em um helicóptero H-60 Black Hawk – que é muito usado para levar alimentos e remédios para as aldeias, já que ele consegue aterrissar em praticamente qualquer localidade.

 

Para os Yanomami, a esperança vem dos céus. “Onde a gente não está conseguindo chegar, a gente não está conseguindo salvar”, conta Júnior Yanomani, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami. Antes mesmo de pousar em Surucucu, já é possível ver indígenas Yanomami que vão até o PEF para pedir alimentos, receber atendimento médico ou conviver com os militares.

 

Crianças curiosas

 

Quando o Black Hawk toca o solo e abre as portas, as crianças Yanomami se aproximam da tripulação sem medo. Velhas conhecidas de alguns, elas trocam palavras em português e dão um “oi” em Yanomami. Os pequenos abrem largos sorrisos ao conversar com os “novatos” e demonstram curiosidade para entender os equipamentos, como as câmeras.

 

“A gente trabalha com o viés humanitário. Em nossas operações, a gente a por essas comunidades, a gente para, verifica se há alguma necessidade de atendimento médico ou odontológico. Hoje, no pelotão, nós temos um médico e uma dentista 24 horas. Então, sempre que eles precisam, a gente a o aviso para que tragam as crianças ou os adultos que estão com necessidade”, explica o comandante do 4º PEF, tenente Luiz Fernando Seixas.

 

Infográfico Socorro dos Céus

 

Devido às más condições do pavimento da pista, aviões de grande porte não pousam em Surucucu. Assim, o C-105 Amazonas e o KC-390 Millennium lançam de paraquedas as cargas embaladas de alimentos no aeródromo. Depois, militares do Exército os recolhem e fazem a distribuição entre as comunidades indígenas mais distantes.

 

O TEMPO acompanhou, no último dia 1º de fevereiro, a distribuição de alimentos na aldeia de Haxiu, que fica a dez minutos de helicóptero do aeródromo de Surucucu. Por meio de um helicóptero, os militares levaram cestas básicas até a aldeia. Após o pouso, os militares carregaram os fardos com sacos de arroz, sardinha enlatada, fubá e farinha de mandioca até um local onde os indígenas já se juntavam para carregar os mantimentos.

 

As ações em apoio aos indígenas Yanomami tiveram início em 22 de janeiro, e, até o dia 10 deste mês as aeronaves da FAB realizaram 545 horas de voo para diversos lançamentos de cargas, totalizando 82 toneladas de medicamentos e mantimentos. Também foram entregues 4.090 cestas básicas às comunidades. Há 431 militares do Exército e da FAB envolvidos na operação do Comando Operacional Conjunto Amazônia, deflagrado no dia 3.

 

Júnior Yanomami acompanha as equipes. Já que não há muitos tradutores, ele a o dia voando para comunidades distantes para resgatar doentes. Antes do término da descarga, os indígenas já demonstravam ansiedade para ter o aos alimentos. Mulheres, crianças e homens se aglomeraram em volta do tuxaua (líder), que tentava colocar ordem na distribuição dos alimentos.

 

Um dos representantes da comunidade, o indígena Raul, explicou que a chegada da comida traz alegria. A distribuição é feita de maneira igualitária. “Quando vocês trazem comida, a gente fica muito feliz. O tuxaua vai distribuir para as famílias para não haver briga”, contou o Yanomami.

 

Atendimento médico clama por estrutura

 

A dez minutos de caminhada do 4º Pelotão Especial de Fronteira (EPF) está a unidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). É para lá que são levados os casos urgentes de pessoas resgatadas nas aldeias. A unidade de saúde, que tem duas áreas de enfermaria e nenhum local de tratamento intensivo, recebe indígenas o dia todo. Os resgates cessam ao anoitecer, já que as aeronaves não fazem voo por instrumentos.

 

No período que ficamos na Sesai, presenciamos cinco profissionais correndo entre a área de pouso e a sala de atendimento. Um dia antes, oito novos profissionais do SUS desembarcaram em Surucucu. “Dia 31 de janeiro eram três para atender todos, sendo um médico. Chegaram mais oito, três deles médicos”, contou Júnior Yanomani.

 

A base de saúde em Surucucu é muito simples. A sala onde é feita a estabilização dos pacientes dispõe de uma maca. Quando chega um helicóptero, enfermeiros e técnicos de enfermagem saem correndo para retirá-los da aeronave. Tudo com a presença de outros cem indígenas, que observam a situação das redes onde se recuperam de doenças como malária, pneumonia, diarreia, desnutrição e desidratação.

 

Superlotação

 

Os doentes graves são estabilizados e levados para Boa Vista. Isso quando há aeronaves disponíveis e luz do dia. Caso o doente chegue muito tarde, precisa pernoitar na unidade. A Sesai em Surucucu está superlotada, pois tem capacidade para 30 pessoas, e abrigava mais de cem. Na enfermaria havia famílias inteiras. Se uma criança está doente, ela precisa viajar com um parente. Júnior Yanomani ressalta que o número de pacientes graves não está reduzindo desde que a situação de emergência foi decretada – pelo contrário.

 

A precariedade é visível e desesperadora. Os próprios profissionais de saúde e lideranças indígenas clamam por mais estrutura. Tudo depende, porém, do reparo da pista de voo, que deve levar três semanas para ficar pronta. Por ora, além dos alimentos, até o combustível das aeronaves é lançado por aviões das Forças Armadas. Por isso, muitos falam que as mortes ocorrem por causas evitáveis, já que há conhecimento médico e tecnologia. O que não existe é estrutura.