COMPORTAMENTO

Era das plataformas digitais e das redes sociais amplia poder da comunicação

Habilidade se torna uma ferramenta essencial para as relações pessoais e profissionais

Por Raphael Vidigal Aroeira
Atualizado em 12 de junho de 2024 | 08:34

Barulhento e colorido, ele tomava o palco com vestes espalhafatosas, acionava sua buzina e o auditório logo ia ao delírio. Entre seus bordões prediletos, estava uma fina percepção da realidade que já vigia na década de 1980: “Quem não se comunica, se trumbica!”.

Por essas e outras, Abelardo Barbosa, o famoso Chacrinha (1917-1988), é, ainda hoje, considerado o maior comunicador do país. Mentora de comunicação e oratória, Delma Lopes concorda com a frase do ídolo, e acrescenta que, “o que antes era o diferencial de determinados profissionais, hoje se tornou básico para todo mundo”. Ela atribui a mudança, sobretudo, a um cenário dominado pelas redes sociais.

“O mundo ficou ‘menor’ por conta do avanço tecnológico, e, com isso, a régua subiu em relação às habilidades esperadas de um ser humano, porque a comunicação, hoje, é uma habilidade necessária não apenas no campo profissional, mas, também, nas relações pessoais. Uma pessoa que não sabe se posicionar, expressar bem as suas ideias, está fadada a viver como coadjuvante na vida dos outros, que tomam as decisões e que vão acabar assumindo os espaços que poderiam ser dessa pessoa”, diagnostica Delma.

Segundo ela, “para sobreviver no mercado e ser considerada na sociedade, a pessoa precisa saber se expressar com clareza, de uma maneira que desperte nas outras o desejo de saber mais sobre quem ela é, o que ela sabe, etc.”, diz. Delma afirma que, “antes de qualquer técnica de comunicação, para expressar bem suas ideias a pessoa precisa ter, em primeiro lugar, convicção do que fala”. Para tanto, características como “postura e presença marcante” seriam essenciais.

“Ela precisa ter uma fala clara, com uma dicção bem articulada, um ritmo que prenda a atenção de quem está escutando, e uma impostação vocal que projete a sua voz”, enumera. De acordo com a especialista, tais atributos “transmitem firmeza e confiança, mesmo que você tenha um timbre de voz considerado infantilizado”. “Entonação vocal é o tempero de uma boa comunicação”, sustenta Delma, que oferece exemplos da política nacional.

“Tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro quanto o nosso atual presidente Lula têm uma dicção péssima quando estão se comunicando, mas ambos se valem da entonação vocal para persuadir os seus respectivos públicos. É isso que as pessoas precisam aprender a realizar no dia a dia. O importante é saber com quem se fala e como. O segredo de uma boa comunicação está no ‘como’ e não tanto no que se fala”, avalia Delma, privilegiando a forma em detrimento do conteúdo, percepção que a professora de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geane Carvalho, não endossa.

“O que eu acho é que a forma de comunicação sintetiza ideias. Um emoji, por exemplo, sintetiza uma ideia”, vaticina Geane, referindo-se à era digital. “Nós estamos saindo de um cenário em que era valorizado, lá na democracia representativa do século XX, a ideia de deliberação, para entrarmos em um ambiente cada vez mais permeado pela inteligência artificial, por assistentes virtuais, pela comunicação através de emoji, enfim, um cenário que diz respeito ao que a gente chama de era pós-digital”, esclarece Geane, que compreende essa nova realidade de interações sociais como “muito mais complexa”.

“É fundamental que invistamos cada vez mais em programas de letramento transmidiático para compreender esse cenário”, afiança a professora. “As pessoas, das mais diversas idades, precisam compreender melhor o que significa compartilhar uma informação e que tipo de risco isso traz para a vida social quando acompanhado por discursos de ódio e desinformação…”, completa. 

Novos parâmetros de comunicação na era das redes 

Delma não ignora a força das redes sociais na comunicação contemporânea, ao contrário. “Eu sou um exemplo disso. Eu comecei no rádio com 16 anos, trabalhei 20 anos da minha vida como repórter e apresentadora de TV, e me acostumei a falar com uma comunicação padrão que era exigida naquele período”, diz.

Ao investir nas redes sociais como empreendedora, ela ou por “um processo de desconstrução da ‘Delma jornalista e apresentadora’”, a fim de se aproximar de uma linguagem mais coloquial, que ditava as regras naquele ambiente. “As redes sociais democratizaram a maneira de se falar”, garante Delma, que, como nordestina, teve que esconder o seu sotaque devido a preconceitos no início de sua trajetória no jornalismo.

“As redes sociais nos ensinaram que você não deve abrir mão da sua identidade cultural para transmitir a sua mensagem. É por causa dessa maneira mais verdadeira e transparente de se comunicar que as redes sociais conseguiram a influência que detêm atualmente. As pessoas veem ali alguém que se veste como elas, que fala como elas, que de repente saiu da mesma cidade que elas”, constata Delma.

Professora de Comunicação Social da UFMG, Sônia Caldas faz um balanço sobre essas perdas e ganhos da área nos tempos atuais. “A comunicação é fundamental para as relações sociopolíticas e organizacionais. Ela pode ser usada para a defesa de direitos humanos de populações vulneráveis, para organizações e o poder público se aproximarem da sociedade, para prestação de serviços, mas, também, pode ser extremamente nefasta quando se torna uma arma para certos regimes e grupos autoritários”, arremata Sônia.

Comunicação em tempos virtuais requer cuidados

Professora de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geane Carvalho pontua que “a comunicação sempre foi valorizada, é isso que nos caracteriza como seres humanos”. “Porém, vivemos atualmente numa época, que, autores como Andreas Hepp, têm chamado de ‘mediatização profunda’, ou seja, todas as nossas interações sociais são permeadas, cada vez mais e de modo cada vez mais intenso, pelos ambientes midiáticos da contemporaneidade. Daí a relevância que a comunicação a a ocupar nesse cenário, porque a a ser praticamente impossível pensar qualquer área do conhecimento, da vida social, desvinculada da comunicação mediatizada”, salienta Geane. Docente do mesmo curso e faculdade, e professora visitante no Institut Mines-Télécom, na França, Sônia Caldas complementa. 

“A potência da comunicação existe há tempos. Vivemos uma era do excesso de informação, de compartilhamento de experiências e de opiniões. A circulação rápida e em grande escala na internet e nas redes sociais pressiona as pessoas a uma obrigação de conexão permanente, numa batalha de informação e de fake news, e de falta de tempo suficiente para lidar com a comunicação. Muitas vezes, a comunicação não é bem-sucedida, no sentido de provocar estragos, prejuízos e preconceitos, por todas estas tensões que vivemos”, pondera Sônia, que chama atenção para a importância de enfrentar esse desafio que se impõe na contemporaneidade.

“A manipulação da comunicação é um dos grandes perigos e desafios para as sociedades democráticas. Não podemos confundir comunicação, em sua essência mediadora de temas sociais, com manipulação para desvirtuar informações e enganar pessoas”, finaliza.