PÉ NO FREIO

Assim como Jout Jout, pessoas têm saído das redes sociais para se conectarem a uma vida real

Movimento de pessoas que deixam suas redes sociais têm ganhado força puxado por famosos que querem ter uma vida mais genuína

Por Laura Maria
Publicado em 15 de janeiro de 2025 | 06:00

Há quem diga que, de tanto usarmos o smartphone, o aparelho já tenha se tornado uma nova extensão do nosso corpo. É claro que se trata de uma brincadeira, mas a expressão representa uma realidade cada vez mais assustadora, especialmente por aqui: o Brasil é o segundo país em que os usuários am mais tempo on-line, com média de 9 horas e 13 minutos diárias, ficando apenas atrás da África do Sul. Além disso, o país também é o quarto com maior número de viciados em smartphones, segundo estudo conduzido pela Universidade McGill, em Montreal, Canadá.

Mas na contramão dessa avalanche do mundo digital, há pessoas que estão deixando de lado seus perfis nas redes sociais ou usando menos o celular para se conectarem com o que realmente julgam importante. Alguns exemplos são Luísa Sonza, Maíra Cardi, Whindersson Nunes e Manu Gavassi, que se desconectaram de seus perfis por um período. 

A ex-youtuber e jornalista Julia Tolezano da Veiga Faria, a Jout Jout, decidiu por uma mudança mais radical. Depois de conquistar mais de 2,5 milhões de seguidores em seu perfil no YouTuber, a influenciadora dedicou abandonar completamente o mundo on-line na pandemia. Ela se mudou para uma cidadezinha do interior, onde mal pega sinal de internet e celular. Jout Jout também usa o aparelho apenas para o básico, como pagar contas, e não assiste a vídeos ou pensa em roteiros para o audiovisual. Nem dos memes mais ela está por dentro.

A jornalista virou tema do “De Saída”, podcast produzido por Chico Felitti e Beatriz Trevisan, em que contou os motivos de ter se afastado de tudo o que é virtual. “Eu parei de fazer vídeos por motivos vários, mas um deles, um dos mais importantes, é que eu não tinha mais muito o que falar”, contou a influenciadora. 

De fato, o ritmo acelerado provocado pelo mundo virtual pode afetar a saúde mental das pessoas, especialmente aquelas que trabalham ou vivem conectadas ao digital. Doutoranda em Estudos Psicanalíticos pela UFMG, a psicanalista Cínthia Demaria que, ao nos desconectarmos, temos a sensação de estarmos perdendo algo.

“Parece que estamos sempre ficando para trás. Se desconectamos por um tempo, sentimos que o mundo está acontecendo e perdemos as melhores coisas. Smartphones e atualizações constantes nos mantêm nesse ciclo, como se estivéssemos sempre um o atrás, presos em um estado de emergência ilusório. Na verdade, o mundo não para porque nos desconectamos. Essa ansiedade de estar sempre informado, sabendo de tudo, nos coloca nesse ritmo frenético. E isso nem é exclusivo de quem trabalha: estamos todos conectados o tempo todo”, sinaliza.

Psicóloga e professora do curso de Inteligência Emocional pela Universidade Mackenzie de São Paulo, Larissa Gontijo, destaca, ainda, que este estilo de vida pode impedir pausas importantes para o bem-estar físico e emocional, colocando-nos em um estado constante de alerta.

“A hiperconectividade pode gerar ansiedade, fadiga mental e a sensação de nunca estar realmente desconectado do trabalho ou das demandas sociais. Essa pressão digital compromete não apenas a saúde mental, mas também a física, ao dificultar a priorização do descanso e de momentos de pausa, fundamentais para uma boa qualidade de vida”, pontua. 

A especialista aponta alguns sinais para se observar se o tempo excessivo nas telas pode estar impactando negativamente na rotina, como tempo excessivo conectado, comparações constantes, aumento de ansiedade e dificuldade de atenção e sobrecarga de informações.

“ar longos períodos nas redes sociais pode levar à negligência de atividades importantes, como trabalho, estudos ou interações presenciais. Muitas vezes, as pessoas sentem que não têm tempo para nada, sem perceber que gastam várias horas conectadas, comprometendo sua produtividade e qualidade de vida”, ressalta Larissa.

Cínthia complementa destacando que, de certa forma, todo mundo já tem um pouco dessa noção, embora seja muito difícil conseguir abrir mão do uso. “A primeira ação geralmente é sair das redes sociais, desinstalá-las do celular. Isso mostra que, de alguma maneira, todos têm a noção de que usam mais do que deveriam. É mais preocupante quando a pessoa nem percebe o impacto negativo e acaba acumulando angústias sem nome. Muitas vezes, isso aparece no consultório, com pessoas que não conseguem expressar o que sentem, mas que estão sendo constantemente alimentadas por conteúdos que apresentam objetivos inalcançáveis. Por outro lado, quando alguém consegue identificar os sinais — perceber que está usando demais ou que o uso está causando mal-estar —, isso é algo positivo”, salienta.

Equilíbrio é fundamental

Em sua entrevista ao podcast “De Saída”, Jout Jout falou que, longe das redes sociais, conseguiu olhar para coisas importantes que sequer prestava a atenção quando estava hiper conectada, como com o cuidado com a casa. Além disso, ela decidiu cuidar do filho, um bebê, longe de qualquer exposição.

“Estou totalmente dedicada ao lar e percebendo que eu nunca soube me dedicar a isso. Lavar roupa, fazer comida, lavar toda a louça, varrer, ar pano. Aprendendo a viver. Me manter limpa, alimentada. Viva”, destacou. O psicanalista Lauro Araújo fez movimento semelhante ao dela, embora de maneira completamente diferente. 

Líder de uma empresa canadense que prestava consultoria no Brasil, ele abandonou a profissão porque começou a se perguntar o que realmente era importante em sua vida. “Isso me fez questionar o que é ter sucesso na vida. Quando se olha para a vida corporativa, em que é necessário bater meta todos os meses e viver sob pressão, você percebe que são valores muito fugazes. Não que isso não seja importante, todo mundo quer viajar e curtir um bom restaurante, o problema é medir o sucesso somente por meio desses valores”, comenta.

Depois de deixar a empresa, ele começou a trabalhar como freelancer, prestando consultorias, e ou a estudar psicanálise, profissão para a qual, hoje, se dedica totalmente. Nesse processo, chegou a virar monge – ele pratica o zen budismo desde os anos 90 –, mas acabou deixando o compromisso. 

O psicanalista conta que é frequente ouvir de seus pacientes a vontade de se desconectarem do virtual, especialmente pelo excesso de comparações. “Essa realidade tem feito muito mal às pessoas. Não é incomum, por exemplo, alguém se endividar para conseguir comprar uma bolsa de marca caríssima. E, ao comprá-la, perceber que este objetivo não trouxe felicidade, e, assim, acaba entrando em depressão”, salienta.

Isso não significa que é preciso deixar todas as redes para ter uma vida mais tranquila. Ele mesmo tem um perfil no Instagram. “Mostrar os nossos valores é uma boa forma para usar as nossas redes sociais, por mais que ninguém queria ver isso. As redes também são importantes para mantermos contato com quem está longe”, indica Araújo.

Para alcançar esse equilíbrio, a psicóloga Larissa Gontijo aconselha fazer uma reflexão sobre nossos valores e prioridades. “É útil perguntar: ‘o que eu realmente ganho ao usar as redes sociais?’ ou ‘Como isso contribui para a minha felicidade e objetivos pessoais ou profissionais?’ O essencial varia para cada pessoa, mas estar atento aos impactos que utilizar a rede está garanto em você já é um o importante”, aponta.