Família

Falta de estrutura do Judiciário emperra fila da adoção em BH  491s37

Vara da Infância e da Juventude da capital tem apenas dois juízes para um total de 5.800 processos 4q3h5r

Por Ana Paula Pedrosa
Publicado em 14 de novembro de 2016 | 02:00
 
 
Expectativa. O casal Denise e Alexandre espera há 15 meses a chegada do filho adotivo, que será o irmãozinho de Sofia PEDRO GONTIJO / O TEMPO

Em agosto de 2015, a arquiteta Denise Nobre e o designer Alexandre Henrique Macedo Teixeira, ambos de 43 anos, ficaram sabendo que iriam ter um bebê. A gestação não foi confirmada por um exame de farmácia ou de sangue, mas informada pela Vara da Infância e da Juventude, que os habilitou a entrar no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Já são 15 meses aguardando a chegada do garoto ou da garota que fará companhia à filha biológica do casal, Sofia, que completou 1 ano há duas semanas.

Enquanto pessoas como Denise e Alexandre esperam, entre duas e três crianças chegam toda semana aos abrigos de Belo Horizonte, segundo estimativa do juiz Marcos Padula, titular da Vara da Infância e da Juventude da capital. Os locais de acolhimento da cidade têm cerca de 480 crianças, mas nem todas estão prontas para serem adotadas porque os processos para verificar se elas podem ou não voltar à família de origem andam a os lentos e demoram até três anos para serem concluídos.

A fila da adoção em Minas tem hoje 794 menores, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão não informou o número apenas da capital.

Por mês, a Justiça de BH recebe entre 350 e 400 novos processos, que incluem os de adoção e outros relativos à convivência familiar, além daqueles referentes a saúde e educação, como pedidos judiciais para conseguir tratamentos, remédios e vagas em escolas e hospitais.

São apenas dois juízes na área – o ideal, segundo Padula, seriam cinco ou seis –, e o resultado são 5.800 processos que se acumulam na Vara, sendo 2.200 deles relativos a adoção ou destituição do poder familiar, que é quando a família de origem perde a guarda da criança e ela pode ser adotada. “É uma coisa desesperadora”, afirma o juiz.

Segundo ele, a maioria das ações poderia estar concluída ou com desfecho próximo se a estrutura fosse melhor. A destituição do poder familiar, por exemplo, demora entre dois e três anos. Com estrutura adequada, o prazo poderia ser de um ano. Para agravar a situação, a Vara da Infância e da Juventude ainda não foi informatizada. Os processos tramitam em papéis – cada ação pode ter até 800 páginas – e ficam “andando” de um local para o outro para serem analisados por juízes, promotores, advogados, defensores públicos, assistentes sociais e famílias, que não podem consultá-los simultaneamente.

“É um tempo precioso que a criança está perdendo no abrigo”, afirma o juiz. Ele lembra que a preferência dos adotantes é por crianças com menos de 2 anos. Denise e Alexandre querem um bebê com até 1 ano. O casal não escolheu o sexo, mas a arquiteta torce por uma menina. “Meu sonho é vir uma menininha negra. Minha filha (biológica) é branquinha de olho azul, e eu já fico imaginando as duas juntas”, diz.

Sem previsão

Melhorias. Por meio de sua assessoria, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que não há previsão para informatizar a Vara da Infância e da Juventude nem para contratar novos juízes.

Preferências dos adotantes 1y2e3e

Perfil. O tipo de criança preferido para adoção é menina, branca e com até 2 anos.

Limitador. O perfil não é o mais disponível nos abrigos. As crianças com até 2 anos são 12,4% do total. Entre todas as idades, as meninas são 44,14%, e 33,78% das crianças são brancas.

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Projeto de lei 6g6470

Governo quer mudança de regras 1n54l

Tornar o processo de adoção mais rápido é o foco de um projeto de lei que está em consulta pública e recebe contribuições até o dia 4 de dezembro pelo site do Ministério da Justiça. O texto, que procura estabelecer prazos para as diversas etapas do processo de adoção, já recebeu mais de 10 mil consultas e 900 contribuições, que serão analisadas e podem ser incorporadas à proposta final que será enviada ao Congresso.

No caso da entrega voluntária da criança, a ideia é que a mãe biológica tenha até dois meses para se arrepender e reclamar a guarda ou indicar um parente. Depois desse período, a criança seria inserida no Cadastro Nacional de Adoção.

O projeto também propõe que, após um mês vivendo em abrigos, os recém-nascidos e as crianças sem certidão de nascimento sejam cadastrados para adoção. Outra sugestão é que o estágio de convivência – período de adaptação da família à criança e vice-versa – seja de até 90 dias. Também é proposto que as crianças que ficarem mais de um ano no cadastro nacional sem serem adotadas fiquem disponíveis para os pretendentes que vivem no exterior. (APP)

Análise 65183b

Longa espera eleva traumas nas crianças 54151f

A demora para entrar na lista de adoção reduz muito a chance de uma criança encontrar uma nova família, além de ampliar os danos psicológicos pelos quais ela pode ter ado ao ser afastada dos parentes biológicos. A especialista em direito de família Ana Carolina Brochado conta que já acompanhou o caso de uma bebê de menos de 1 ano que teve um tipo de depressão por falta de vínculos afetivos. “No abrigo, a cada hora era um cuidador, e ela não se apegava a ninguém. Depois que foi adotada, virou outra criança”, diz.

Em outro caso, uma bebê foi entregue à família adotiva com 9 meses de vida. Um ano e meio depois, quando ainda corria o processo de destituição do poder familiar, a mãe biológica, que havia perdido a filha por ser viciada em crack, reivindicou a guarda. O processo ainda corre na Justiça. (APP)