Música

Vida levada na flauta 6u6f52

Compositores da capital lançam discos em que o instrumento mais antigo do mundo assume papel de protagonista m533d

Por Raphael Vidigal
Publicado em 08 de outubro de 2018 | 03:00
 
 
Trupe. Os flautistas Mariana Bruekers, Bruno Pimenta, Marcela Nunes, Alexandre Andrés, Marcelo Chiaretti e Mauro Rodrigues tomam a cena de BH Ramon Bitencourt

O pedaço do fêmur de um jovem urso das cavernas foi encontrado, há cerca de 43 mil anos, na Eslovênia. A descoberta é considerada o mais antigo instrumento musical do mundo, a flauta paleolítica. Nascido no Rio de Janeiro, mas residente em Belo Horizonte, Mauro Rodrigues descobriu sua relação com a flauta por acaso. Ele começou tocando guitarra e violão. No entanto, quando decidiu fazer o curso superior de música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essas matérias não compunham a grade curricular. Como já dominava instrumentos de harmonia, optou por um que fosse melódico.

“A flauta foi uma escolha intuitiva”, afirma o músico. Nesta terça-feira (9), Rodrigues lança “Cru, Cozido e Repartido”. O disco autoral entra para um currículo que já possui “Suíte para os Orixás”, “Um Sopro de Brasil”, “Lua: Edição Brasileira”, “Tom de Adélia” e “O Sempre Amor”. Estes dois últimos, em parceria com a poeta Adélia Prado, além do coletivo Misturada Orquestra. E Rodrigues não está sozinho nessa história. Na quarta-feira será a vez do flautista Marcelo Chiaretti colocar na praça “Entre o Norte e o Poente”, disco em dueto com o violonista Cristiano Vianna que homenageia histórias, memórias e paisagens da capital mineira.

Até o final do ano, chegam ao mercado os álbuns de mais dois flautistas mineiros. Mariana Bruekers finaliza a masterização de “Chorando Pelo Mundo”, com repertório de choros compostos somente por estrangeiros. Com 36 anos de carreira, Bruno Pimenta promete para dezembro “Plagal”, seu primeiro CD autoral, depois de acompanhar nomes como Elza Soares, Juca Chaves e Paulinho Pedra Azul. “‘Plagal’ é o nome para uma cadência diferente na música. Eu estou buscando coisas novas, um pulo do gato”, explica Pimenta.

Alexandre Andrés, que lançou “Macieiras” em 2017, e Marcela Nunes, responsável por “Em Casa” (2015) ao lado de Renato Muringa, engrossam o caldo da trupe. Como se não bastasse, a cidade conta com uma orquestra só de flautas, a Flutuar, dirigida por Alberto Sampaio.

Auge

A profusão de trabalhos liderados pelo ancião dos instrumentos musicais chama atenção num cenário que, via de regra, teve como protagonistas o violão, a guitarra e o piano. Porém, a resposta para essa tendência não é exata, como, aliás, é típico das artes. “Belo Horizonte tem uma escola de flauta muito forte, que teve como precursor o professor Expedito Viana. Depois o Artur Andrés e o Maurício Freire formaram muita gente. Existem ótimos flautistas em BH, atuando em diversos espaços e propostas”, constata Marcela.

Artur Andrés, antigo instrumentista do Uakti, é pai de Alexandre, que, no momento, é orientado em seu doutorado na UFMG por Rodrigues, onde também atua como professor substituto de flauta transversal. “Além da qualidade musical, percebo uma amizade e parceria entre os alunos, o que não é realidade em outras turmas. Normalmente há uma competição que atrapalha o crescimento de cada um. No que diz respeito aos amigos flautistas, sinto que também há essa parceria bonita”, enaltece Alexandre.

Oriundo dos grupos Corta Jaca e Copo Lagoinha, Chiaretti teve a oportunidade de dividir o palco com renomados artistas do samba, como Nelson Sargento, João Nogueira e a Velha Guarda da Mangueira. Para ele, há um nó que precisa ser desfeito entre a prosperidade da produção e o recebimento por parte do público. “Nosso momento revela o quanto estamos doentes, com preceitos conservadores e muito limitados. E isso atinge o mundo da música, como também de todas as artes, subestimando o papel da cultura”, lamenta.

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Conquista por espaço musical 662i5l

Na infância, Mariana Bruekers cultivou um hábito. O pai sempre a levava para assistir a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Naquele mundo de sons, um monopolizava a atenção da garota. “A flauta era o destaque. O que mais me encanta nela é o timbre brilhante e a versatilidade. É um instrumento que se encaixa perfeitamente em tantos lugares...”, exalta.

Fã de Ian Anderson, Altamiro Carrilho e James Galway, ela gosta de transitar pelo rock progressivo, pela música clássica e pelo choro, embora mantenha o último como predileto. “Meus ídolos ‘flautísticos’ são ecléticos”, afiança.

Vencedora do prêmio BDMG Instrumental na categoria jovem músico por dois anos, em 2008 e 2010, Mariana participa de dois grupos formados só por mulheres, o Abre a Roda: Mulheres no Choro e a Banda Sagrada Profana. Para ela, a conquista de espaço num segmento onde a presença masculina segue majoritária é fundamental.

“O cenário tem mudado, mas ainda há preconceito. Esses grupos têm como objetivo ressaltar o protagonismo feminino na música. Se isso é necessário, é porque ainda encontramos obstáculos”, diz. Proprietária do Muringueiro, que une música e gastronomia em seu cardápio cultural, a também flautista Marcela Nunes reforça a tese da amiga. “Até começar a trabalhar profissionalmente com a música, eu não sentia preconceito. Mas o meio da música popular, onde mais atuo, ainda é muito machista. No meio flautístico, no entanto, nunca senti preconceito, pelo contrário. Sempre tive professores que me apoiaram em tudo, com muito respeito”, declara.

Na visão de Marcela, apesar da diferença numérica, a mudança tem se dado. “Penso que a tendência é melhorar. Sonho com o dia em que falaremos mais de nossas músicas do que da nossa batalha contra o machismo”, conclui a flautista.

Serviço

Terça (9), Mauro Rodrigues lança CD, às 19h30, no Conservatório UFMG; quarta (10) é a vez de Marcelo Chiaretti, na Fundação Artística, às 20h.