A crise humanitária Yanomami, que se escancarou aos nossos olhos no último mês, pela gravidade do momento atual – mas que está lá na Floresta Amazônica há décadas, invisível para quem não busca nem quer enxergar – nos remete aos anos 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil.
Naquela época, os indígenas brasileiros foram quase dizimados, em uma das maiores catástrofes demográficas da história da humanidade. Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral ancorou em terras brasileiras, no sul da Bahia, estima-se que houvesse entre 3 milhões e 4 milhões de indígenas no país. Trezentos anos depois, eles foram reduzidos a cerca de 700 mil, aproximadamente 20% do contingente original. E, hoje, são cerca de 900 mil, menos de um terço em relação a 1500.
Os números e informações estão em um capítulo do livro “Escravidão: Volume I”, do jornalista e escritor paranaense Laurentino Gomes, lançado pela Globo Livros. Na pesquisa histórica feita por ele, em 1808, quando a corte portuguesa chegou ao Rio de Janeiro, a população brasileira ainda era cerca de 3 milhões, mas a composição havia mudado. A maioria dos brasileiros ou a ser constituída de brancos de ascendência europeia ou de africanos e seus descendentes.
“O massacre indígena continua em andamento, na forma de morte física, conforme nós observamos, mas também na ocupação dos territórios, na devastação do meio ambiente. É uma população completamente sitiada”, disse Laurentino na época do lançamento do livro, em 2019, ao programa “Roda Viva”. Atualmente, ele mora em Portugal, onde aprofunda o trabalho de pesquisa e está com a agenda fechada para entrevistas.
No território Yanomami, no Norte do país, os indígenas estão morrendo, principalmente, de fome e de malária, situações provocadas ou agravadas pelo horror do garimpo ilegal, que destrói a natureza – polui os rios e a terra, mata as pessoas e, ainda, afasta e dizima animais. Em diferentes territórios brasileiros, há indígenas sendo dizimados também por madeireiros e garimpeiros, por bandidos que promovem pesca ilegal ou fazem tráfico de drogas, entre tantos crimes e conflitos pela ocupação da terra.
Na época da chegada dos portugueses, como lembra Laurentino, diversos fatores foram preponderantes para aniquilar grande parte dos povos originários. Entre eles, “as guerras promovidas pelos colonos portugueses, a captura como mão de obra escrava em trabalhos pesados para os quais não estavam acostumados e a perda dos territórios que ocupavam antes de 1500”. Mas o principal teriam sido as doenças que vieram com os estrangeiros. Assim como os Yanomami hoje, os indígenas de mais de 500 anos atrás também morriam de malária – doença transmitida pela picada de mosquitos infectados. O homem não indígena, que hoje promove ou é omisso em relação à mortandade dos povos originários, foi o responsável por chegar ao Brasil há mais de cinco séculos e escravizar os primeiros donos desta terra. “A escravização dos índios começou imediatamente após a chegada dos portugueses (...) e continuou por mais de cem anos”, afirma Laurentino em “Escravidão I”.