DIPLOMACIA

Trump pressiona presidente da África do Sul com vídeo de falso 'genocídio branco'

Ramaphosa rejeitou de maneira firme a acusação feita por Trump

Por Victor Lacombe e Renan Marra/Folhapress
Atualizado em 21 de maio de 2025 | 17:05

Durante uma reunião bilateral na Casa Branca nesta quarta (21), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressionou seu homólogo da África do Sul, Cyril Ramaphosa, com afirmações sem provas sobre o falso "genocídio branco" que estaria em curso no país africano.

Ramaphosa rejeitou de maneira firme a acusação feita por Trump de que seu governo é leniente com assassinatos de agricultores brancos na zona rural do país, e disse que a violência na África do Sul atinge, em sua maioria, pessoas negras.

"Se houvesse genocídio contra os africâneres na África do Sul, lhe garanto que esses senhores não estariam comigo aqui hoje", disse Ramaphosa, se referindo aos membros brancos da delegação sul-africana que o acompanhou na visita à Casa Branca.

"Tampouco meu ministro de Agricultura estaria aqui", prosseguiu Ramaphosa -trata-se do político africâner John Steenhuisen, que estava presente no encontro e cujo partido sustenta a coalização de Ramaphosa no Parlamento desde as últimas eleições em 2024.

Em resposta, Trump disse ter visto "milhares de histórias" sobre o falso genocídio. "Temos documentários, temos notícias, e posso te mostrar algumas coisas", disse o republicano, que tocou um vídeo com falas de políticos negros sul-africanos estimulando violência contra brancos.

O vídeo continha ainda imagens do que seriam túmulos de agricultores africâneres mortos por criminosos negros. Ramaphosa se recusou a assistir às imagens, olhando ocasionalmente para a tela, mas se mantendo sem expressão na maior parte do tempo.

Quando o vídeo terminou, Ramaphosa se dirigiu a Trump. "O que você viu, as falas que são feitas, não são política do governo. Temos uma democracia multipartidária na África do Sul. Nosso governo é completamente contrário ao que esse partido minoritário diz", insistiu. Steenhuisen apoiou o presidente, dizendo que sustenta o governo de Ramaphosa no Parlamento justamente para evitar que "pessoas como esta" cheguem ao poder em seu país.

"Estamos dispostos a discutir essas preocupações com o senhor", disse Ramaphosa, tentando mudar de assunto para falar de comércio e cooperação econômica, sem sucesso. Trump interrompeu o sul-africano para repetir que os agricultores brancos estão fugindo do país, e a reunião terminou com Ramaphosa dizendo esperar que os EUA possam "ter um papel de liderança" no G20, cuja cúpula acontece em Joanesburgo este ano.

Por trás das acusações falsas de genocídio de Trump está a aprovação de uma lei As tensões entre as partes aumentaram após a aprovação pelo governo Ramaphosa, em janeiro, de uma lei que prevê desapropriação de terras para diminuir desigualdades. Segundo o presidente americano, a nova medida é racista, uma vez que os proprietários brancos seriam visados.

Elon Musk, aliado próximo de Trump e de origem sul-africana, tem feito uma série de publicações na sua conta no X amplificando as afirmações falsas sobre o "genocídio branco".

A legislação sancionada em janeiro tem o objetivo de diminuir discrepâncias na distribuição de terras, segundo o governo Ramaphosa. A lei atualiza texto de 1975 e reconhece a desapropriação como um ato legítimo para dar aos terrenos funções públicas. Ponto controverso é a possibilidade da não compensação, apenas em casos avaliados como excepcionais e sem acordo com o proprietário da terra.

O governo sul-africano afirma que a legislação vem sendo deturpada para criar pânico. As terras seriam apreendidas sem compensação apenas em casos raros, incluindo abandono ou se o proprietário usar o terreno como forma de especulação. Diz também que nenhuma medida do tipo ocorreu, ao menos por ora.

Em fevereiro, os EUA cortaram parte do financiamento destinado à África do Sul. Na semana ada, Washington concedeu o status de refugiado a 59 sul-africanos brancos sob a justificativa de que eles estariam sofrendo perseguição racial -algo que o governo sul-africano nega com veemência.

Os dois países também acumulam atritos por causa da denúncia apresentada por Pretória na Corte Internacional de Justiça, no ano ado, de que Israel estaria cometendo um genocídio na Faixa de Gaza --Tel Aviv é o maior aliado de Washington no Oriente Médio.