Impressões de um viajante I
Conforme pesquisas de opinião pública, ao completar os primeiros 100 dias de seu segundo governo, Trump não tem muito a comemorar
Conforme pesquisas de opinião pública, ao completar os primeiros 100 dias de seu segundo governo, Trump não tem muito a comemorar. Mais da metade dos americanos acha que as condições econômicas pioraram nesse período. Os 48% da população que estavam temerosos ou pessimistas sobre seu governo, em dezembro do ano ado, foram para 57%, no mês ado.
No entanto, a vida continua, como sempre foi. Os metrôs andam nos trilhos, e os aviões, no ar, as crianças estão indo para as escolas, os hospitais continuam atendendo seus pacientes, e as rodovias estão com tráfego intenso. É começo da primavera, o sol já se põe mais tarde, e as pessoas e os cachorros estão ocupando os parques. Nada parece diferente.
Para quem visita os Estados Unidos, é impossível não se lembrar de Alexis de Tocqueville, que, há cerca de 190 anos, publicou sua obra clássica “Da Democracia na América”, após visitar o país. A democracia no mundo moderno emergiu de um longo processo de limitação do poder central, que remonta pelo menos à Magna Carta inglesa de 1215, que restringiu o poder da aristocracia, em nome do povo, isto é, da maioria.
No caso americano, Tocqueville identifica três grupos de fatores que favorecem o nascimento do governo do povo para o povo. O primeiro são as circunstâncias geográficas e históricas. Os americanos nasceram iguais, em vez de se tornarem iguais; o segundo, a ordem político-istrativa. O autogoverno é o sustentáculo dos povos livres (famosa é sua frase: “As instituições estão para a liberdade, como as escolas primárias, para o saber”); e o terceiro, os costumes, entendido como as instituições não escritas (Douglass North).
Tocqueville vê tensão permanente entre os pilares do regime – liberdade plena e igualdade (direitos e deveres que todos gozarão do mesmo estatuto). A sustentabilidade da democracia liberal está no equilíbrio entre essas duas forças. Raymond Aron anteviu que o problema central de Tocqueville é saber se a era democrática triunfante será liberal ou despótica.
Embora tenha se apossado do mantra da primeira campanha eleitoral de Regan – “Let’s Make America Great Again” –, Trump não incorporou de seu antecessor republicano seu espírito liberal e alegre. Ao contrário, faz o tipo autoritário, raivoso e destruidor, sem respeitar o interlocutor ou as instituições democráticas. Sua política tem sido errática, criando incertezas sobre o futuro. É instigante o silêncio da oposição no Congresso e das elites empresariais.
A vitória de Trump se deu, principalmente, pelos erros e pela falta de lideranças catalisadoras do Partido Democrata, que perdeu a conexão com suas bases tradicionais (blue-collar workers) e, na gestão Clinton, arcou com os custos políticos da política neoliberal, sem oferecer alternativas para manter vivo o sonho americano.
O dilema de Tocqueville continua vivo: democracia liberal ou despotismo.