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Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli é presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. Estudou Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

OPINIÃO

Bela como a Lua

“Entre as deusas, a que prefiro é Minerva, ela é Sofia, a Sabedoria; bela como a Lua, grande como o Sol, terrível como as disciplinadas fileiras de um exército"

Por Vittorio Medioli
Publicado em 03 de maio de 2025 | 20:41

No fim do século XVI, ciente de que nada lhe poderia ser tirado, plenamente consciente da inviolabilidade de seu patrimônio espiritual, frequentador de mundos impalpáveis, o frei excomungado Giordano Bruno enfrentava as torturas nos porões do Vaticano sem um só gemido, sem uma única queixa. O corpo dele parecia anestesiado, como se não lhe pertencesse, e seus olhos imperturbáveis se enchiam de um estado de graça, de uma luz fulgurante. Uma afronta para os inquisidores e uma razão a mais para acusá-lo de heresias e de cumplicidade com o demônio e para condená-lo a arder no fogo.

Bruno no final da vida exercia, como um faquir, o domínio do seu corpo físico, não “resistia ao mal”, conseguia anular as sensações e os desejos. Dominava, imperturbável, o êxtase provocado pelo amor dirigido a qualquer coisa, até aos torturadores – sem preocupação de perdas e de ganhos. Conseguia ser imune ao medo do tempo, alcançava o estado que o hinduísmo e a yoga definem como samadhi – um estado de graça plena, de unidade com o “Deus que não tem nome e, todavia, tem todos os nomes”.

Uma condição de espírito e inspiração que eu não consigo deter ou controlar, que às vezes me toca como eco quando a voz angelical de uma cantora oriental me acalma, quando aromas que o na madeira da mesa me trazem alegria, quando um suco de maracujá me relaxa, quando sem apegos procuro silenciar preocupações e soltar sentimentos de misericórdia. O insight dura uma fração indefinível de algo atemporal e mudo, que não tem palavras que o expliquem.

Giordano Bruno tinha se livrado de qualquer preocupação de “ter”; compreendia no íntimo que “ter” era “ter preocupações”; ao contrário, “ser”, não por orgulho ou vaidade, era “ser” náufrago de um oceano de beatitude. Para o místico acusado de heresia, o corpo acorrentado à mesa de suplícios importava como a casca do ovo importa para a águia que abre voo em céus límpidos e enxerga paisagens majestosas, em que não se distingue a divisão de bem e de mal, apenas um quadro de irretocável justiça.

A essa condição de sublimação e de elevação moral Bruno chegou no fim de uma vida irrequieta, dedicada ao estudo, à meditação, à disciplina, alternando momentos de descontrole a outros de visões sublimes, que o fizeram capaz de confessar: “Entre as deusas, a que prefiro é Minerva, ela é Sofia, a própria Sabedoria; bela como a Lua, grande como o Sol, terrível como as disciplinadas fileiras de um exército... poderosa porque, sendo uma, tudo pode fazer... bondosa por tornar os homens profetas e amigos de Deus”.

“A ela eu tenho amado, buscado e desejado por esposa... e roguei... que a enviassem para habitar comigo e comigo trabalhar, a fim de que eu pudesse saber o que me faltava e o que seria aceitável a Deus...”.

Bruno acabou queimado em Roma, antes do alvorecer de 17 de fevereiro de 1600, por ter ousado penetrar regiões que dividem a religião da magia, da ciência, da arte e da poesia. Principalmente por ter procurado compreender, sem limite de ousadia e de medo, a razão primordial da vida, razão que encontrou ao se despedir dela; sem explicá-la, mas mostrando que era possível encontrá-la.