O cocar tomou posse
Representatividade indígena no Legislativo
É fevereiro de 2023, e Minas Gerais fez história. Ontem, eu e Sônia Guajajara tomamos posse na Câmara Federal, iniciando o reflorestar do Salão Verde do Congresso. Não falamos aqui somente da nossa posse. É uma posse da ancestralidade, da espiritualidade. É uma reintegração de posse. Reintegração de territórios que nos foram negados. É a posse de outro Brasil, porque a política também é território indígena.
Não poderia inaugurar este espaço sem destacar o tamanho deste momento para o país e para Minas Gerais. A minha chegada não é solitária. Levo comigo milhares de cocares que fazem coro do lado de fora. E, com a primeira presença indígena por Minas Gerais, o Salão Verde ganha agora a presença de uma mulher-bioma. Uma mulher territorial. Terra e história.
Eu venho do útero das montanhas gerais e das mulheres gerais. Montanhas que têm sido corroídas todos os dias pela mineração. Venho de um Brasil que se inicia com o estupro das mulheres indígenas e hoje estupra a Terra. Venho de um Brasil que contamina rios e contamina pessoas. Que mata águas e florestas.
A que ponto chegamos enquanto humanidade?
É uma grande contradição pensar que o povo que mais protege o nosso planeta é o povo mais violentado. Aqui falo dos Yanomami, que vivem atualmente uma crise humanitária, mas falo também de todos os povos indígenas do nosso país. Quando perguntamos sobre quanto custa a demarcação de um território indígena, quanto custa uma reintegração de posse, reiteramos outra pergunta. Assim como fala Davi Yanomami: quanto custa a queda do céu?
Quanto custa a vida de crianças, a vida de idosos, do povo que sustenta o pulmão do mundo? Do povo que é responsável por fazer chegar água limpa à sua casa, mas que é envenenado pelo mercúrio e morto pelo garimpo. E aqui eu digo uma grande verdade: não há humanidade, não há planeta sem os povos indígenas. Nós temos o poder, as tecnologias e o caminho para salvar o mundo. Mas, para isso, é preciso mudar também a forma de ver esse mundo, a relação com o meio ambiente e os modelos de produção.
Preservação da biodiversidade
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mesmo representando apenas 1% da população mundial, os povos indígenas são responsáveis por preservar 80% da biodiversidade do planeta. Somos a saída número 1 para barrar as mudanças climáticas e para reverter o aquecimento global. Somos a saída para que ainda exista vida na Terra. A saída para todos e todas. Assim, volto a perguntar: quanto custa a queda do céu? Vale a pena?
E é em um cenário de devastação, de queimadas, de assassinatos – seja pelo garimpo, por fazendeiros ou pelo próprio Estado, como no caso dos Yanomami – que o cocar toma posse. Não temos um planeta B, mas ainda dá tempo. Se temos cinco minutos para salvar a vida na Terra, é a partir desse nosso reflorestar que criaremos uma saída. A saída é indígena e é exatamente por isso que digo que Minas Gerais fez história ao eleger a primeira deputada federal indígena pelo Estado.
Vivemos cercados de montanhas, somos o Estado das águas gerais, dos povos gerais. No entanto, estamos vendo as Minas e as Gerais cederem toda a sua riqueza aos roedores de montanhas. Agora, os olhos se voltaram para os povos indígenas, e estamos comovidos com a situação dos Yanomami, mas precisamos parar para lembrar que isso tem relação direta com o garimpo.
Queremos que nosso Estado siga cedendo aos que querem estuprar nossas terras, arrancar nossas riquezas e dizimar nossos povos? Queremos que a crise humanitária se repita aqui? Queremos mais Brumadinhos e Marianas? Ou queremos uma saída ancestral?
O cocar tomou posse, e, hoje, Minas Gerais e o Brasil são Terra Indígena!
Célia Xakriabá é deputada federal (PSOL-MG)