Autocuidado também é cuidar do outro
O adoecimento do indivíduo e do seu redor
Neste mês de janeiro, damos uma atenção especial para a saúde mental. Para aqueles que não conhecem, o Janeiro Branco surgiu para dar atenção à saúde mental e a questões emocionais.
Não é raro encontrar pacientes que só me procuram quando a situação já está muito grave, em especial, homens, que tendem a perceber autocuidado como sinônimo de feminilidade e, por consequência, associam essa característica a fraqueza.
Essa conduta revela uma displicência com a própria saúde, mas não raramente também ignora o peso de estar doente para aqueles ao seu redor. Adoecer nunca é um processo fácil para o indivíduo e aqueles que o amam, mas se torna ainda mais revoltante quando foram dados milhares de alertas sem que fossem vistos como importantes.
Este é um processo muitas vezes ignorado pela família: o peso carregado por aquele que cuida. Por não ser o indivíduo adoecido, ele carrega a culpa e a vergonha de, em alguns casos, não dar conta ou de não querer estar no papel de cuidador.
Se não for muito bem conduzida, essa posição pode, ao longo dos meses, se tornar também uma condição de adoecimento mental.
Acompanho em meu consultório centenas de casais com dinâmicas muito parecidas. As esposas, preocupadas, levam os maridos para a clínica. Posso ver a súplica em seus olhos para que, de alguma forma, eu consiga convencer o marido de que ele precisa se cuidar.
Pergunto-me o que isso representa. Percebo no homem certa vergonha de estar vulnerável; principalmente quando o problema afeta sua performance, vejo que ele se sente “menos homem”. Ao mesmo tempo, noto nos homens um grande conforto em se apoiar nas parceiras, fato que raramente apresenta reciprocidade.
Dentro do meu consultório existe uma triste máxima: mulheres mais velhas são seres de culpa, não querem ser pesadas a ninguém e sentem que precisam se dedicar constantemente ao conforto daqueles ao seu redor. Elas adquirem um valor por meio da abdicação de si, mas este é um jogo perigoso, principalmente quando a perspectiva de retorno é tão escassa.
Por abrirem mão de si, existe uma expectativa de que serão protegidas, e, quando isso não acontece, posso perceber o rancor não só nos relatos, que são abertamente amargurados, mas também no olhar.
Para esse problema não há uma única solução. É preciso muita mudança no relacionamento masculino e feminino para que seja possível extrair saúde e bem-estar em uma vida em conjunto a longo prazo, mas o primeiro o para que algo ocorra é olhar para si.
Perceber de onde vêm a dificuldade de pedir ajuda, a dificuldade de lidar com a vulnerabilidade, a facilidade de aceitar relações muitas vezes abusivas; tudo isso precisa ser propriamente adereçado no processo de construção de uma saúde verdadeira.
Já é hora de tentarmos olhar para nós mesmos e perceber que o autocuidado é também ferramenta de cuidado com o outro, para não sobrecarregar nem ressentir ninguém.
Meira Souza
Médica e escritora
(@dra.meirasouza)