O capitalismo ainda é aquele?
Tarifaço de Trump simboliza volta do protecionismo
O novo presidente dos EUA, Donald Trump, está colocando o mundo de cabeça para baixo. Com seu estilo sui generis, Trump acionou a metralhadora giratória de tarifas para os produtos importados pelos americanos. Embora o foco seja a China, sobrou para meio mundo. As Bolsas de Valores despencaram, houve volatilidade cambial, e a previsibilidade foi implodida.
O objetivo de Trump é supostamente combater o megadéficit comercial americano, reindustrializar o país, recuperar a liderança global para os EUA, impor ao mundo o “America First”. Tudo indica que será um enorme tiro no pé e o resultado será uma profunda estagflação (inflação + recessão). Fato é que a guerra comercial está instalada.
O protecionismo é a própria antítese da evolução da economia capitalista e de toda a teoria que a embasou. Adam Smith, Ricardo, Hayek e Milton Friedman, que sempre inspiraram o Partido Republicano dos EUA, devem estar revirando-se em seus túmulos.
O capitalismo nasceu no útero da crise do feudalismo – uma economia fragmentada, pouco integrada, com nível baixo de comércio internacional. Primeiro tivemos sua etapa comercial e colonialista. A acumulação e a reprodução de riquezas se davam pela comercialização de mercadorias. O primeiro o para a globalização da economia foi dado, mas muitas eram as barreiras.
Com a Revolução Industrial inglesa, o eixo se deslocou para a produção. Era necessário remover os obstáculos à livre circulação dos produtos. Eram milhões de ofertantes em busca de consumidores livres de amarras. Em sequência, transitou-se para o capitalismo monopolista e o fortalecimento da esfera financeira. Isso correspondia a um movimento de centralização e concentração necessária à expansão da grande indústria. A Inglaterra liderava o ciclo.
Até que o conflito de interesses das potências imperialistas levou à eclosão de duas grandes guerras mundiais, entremeadas pela maior depressão da história do sistema capitalista. O comércio internacional foi profundamente abalado. A liderança é assumida pelos EUA. A emergência da URSS instalou a Guerra Fria, mudando a configuração mundial. Com a sua dissolução, na década de 1990, e a queda do Muro de Berlim, a democracia liberal e a economia de mercado imperariam absolutas e definitivas. O século XXI nasceu como a afirmação de um novo mundo e de uma nova etapa capitalista: integração das cadeias produtivas, internet, robótica, biotecnologia, big techs, globalização, “fim” do protecionismo, a China optando pela economia de mercado etc.
O liberalismo econômico imaginava que o livre jogo de oferta e procura, a livre circulação de mercadorias, capitais e trabalhadores, levaria ao equilíbrio geral e ao desenvolvimento permanente sustentado. Não foi bem assim. Crises se sucederam ininterruptamente nos séculos XIX, XX e XXI. Mas o futuroso glorioso do capitalismo globalizado era simples questão de tempo.
Agora, chega Trump, chuta o balde e decreta o fim do multilateralismo e da integração global, a volta dos Estados nacionais autárquicos e do protecionismo. Até onde essa onda irá não está claro. Muito menos quais são os objetivos, a estratégia e os resultados esperados. Por enquanto, quando as bravatas de Trump viraram ações concretas, reina a perplexidade mundo afora.