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Marcus Pestana

Marcus Pestana é ex-deputado e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI)

MARCUS PESTANA

Polarização e democracia

Embate entre inimigos a serem eliminados substitui o diálogo

Por Marcus Pestana
Publicado em 05 de abril de 2025 | 12:38

A democracia é invenção humana. Portanto, não é perfeita. É experiência coletiva. Aprendizado social permanente. Tentativa e erro. Avanços e retrocessos. Envolve cidadãos, partidos políticos, organizações da sociedade civil e instituições de governo. Três Poderes independentes. Embute sempre, diferentemente das longevas ditaduras, a possibilidade de autocorreção com base nas legítimas pressões e críticas da oposição, da imprensa, dos líderes sociais e por meio da alternância no poder. Dispõem de freios e contrapesos contra toda e qualquer tentativa autoritária.

Pressupõe o respeito aos adversários políticos, o reconhecimento de sua legitimidade. A Constituição e as leis estão acima de todos. Pressupõem a contenção no exercício do poder.

A democracia parecia a grande ideia vitoriosa ao final do século XX. Experiências totalitárias à direita e à esquerda foram derrotadas. O nazifascismo e o stalinismo foram amplamente repudiados. Remanesceram governos autoritários na China, Coreia do Norte, Vietnã, Cuba, Venezuela, Rússia e em diversos países africanos e do Oriente Médio. Mas a democracia estava consolidada na maioria e nos principais países do mundo, exceto na China e na Rússia.

Nas idas e vindas da vida, apareceu, na segunda década do século XXI, o chamado “populismo iliberal”. Figuras como Trump, Putin, Edorgan, Orbán, Le Pen, Meloni, Salvini, Bolsonaro, entre outros, ganharam protagonismo. A democracia como valor permanente e universal foi relativizada. Como o pressuposto de líderes desse campo é a alimentação e mobilização de suas bolhas por meio da radicalização crescente em torno de temas e conteúdos nacional-chauvinistas (“America first”, por exemplo), xenófobos (estigmatização dos imigrantes) e antiesquerda, aproveitando o caldo de cultura resultante das frustrações e ressentimentos com a globalização e dos deslocamentos em massa de imigrantes africanos, árabes e latino-americanos para os países desenvolvidos, é instalado um ambiente de polarização política destrutivo e ameaçador. 

A democracia perde sua estabilidade. O embate entre inimigos a serem eliminados substitui o diálogo democrático visando à construção de consensos progressivos.

No entanto, é preciso ter muito cuidado com uma condenação superficial e vazia da polarização política. Democracia pressupõe natural polarização entre os que pensam diferente: a disputa pela hegemonia na sociedade, a luta de ideias, a competição eleitoral, a disputa legítima do poder, o exercício da livre manifestação, organização e expressão. É preciso qualificar a crítica. </CW>

No Brasil, desde o Império houve polarização, muitas vezes radical, nas revoltas populares ocorridas. O embate entre Vargas, os comunistas e os integralistas não era propriamente um mar de rosas. Getúlio, JK e Jango enfrentaram forte oposição da UDN, Carlos Lacerda à frente, em alguns momentos com viés golpista. O embate entre o regime militar e as oposições foi duro. 
A polarização PSDB/PT foi marcada por uma disputa ferrenha, mas as regras da democracia nunca foram ameaçadas.

A questão essencial é que a atual polarização, no Brasil e no mundo, é tóxica, destrutiva, sem respeito mútuo entre as partes. Democracia é convergência na divergência, consenso a partir do dissenso. Precisamos urgentemente reaprender isso!