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Tatiana Lagôa

Tatiana Lagôa é jornalista e integra a lista dos 550 jornalistas mais premiados do Brasil. Atualmente, é editora de Cidades, colunista responsável pela Coluna RepresentAtividade e integrante do Programa Interessa, da FM O TEMPO.

REPRESENTATIVIDADE

Racismo é assunto só de pretos?

Temos uma tendência natural a nos posicionar sobre dores que nos atingem

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 15 de novembro de 2024 | 06:41

A pergunta central deste texto vale um debate longo. Afinal, racismo é assunto só de pretos? Temos uma tendência natural a nos posicionar sobre dores que nos atingem. Uma mãe sabe dissertar sobre as dificuldades da maternidade. Um empreendedor consegue se posicionar sobre os desafios de manter um negócio de pé. Mas será mesmo que só eles têm um ponto de vista sobre essas situações?

O exemplo do empreendedor acho que pode evidenciar melhor o que estou tentando dizer. Se você é contratado como contador de um microempresário, você consegue dizer sobre os impostos a serem pagos por ele e a saúde financeira da empresa, certo? Mesmo que não seja empreendedor. 

De forma simples, eu quis trazer o conceito de lugar de fala. O empreendedor fala sobre o negócio com a visão de quem está investindo. O contador fala usando a visão de quem conhece os números. O mesmo ocorre quando o tema é preconceito. Será mesmo que eu preciso ser integrante da comunidade LGBTQIAPN+ para eu me solidarizar com vítimas de transfobia? Então, a lógica é a mesma com o racismo. 

“Mas eu não sou racista”, argumentam uns. “Eu até tenho amigos negros”, dizem outros. Há aqueles que até têm boa intenção: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, afirmam. A “pegada” é essa mesmo. Mas, para além da intenção e do discurso, como é a sua forma de ser antirracista? Você se posiciona entre os seus pares quando percebe uma ação preconceituosa? Ou apenas não a replica? 

Eu não estou criticando ou reduzindo a intenção de ninguém. Só estou trazendo uma constatação: vontade sem ação não traz resultados. 

Você tem ensinado seus filhos, sobrinhos ou qualquer criança do seu convívio a respeitar as diferenças? Você tenta entender a subjetividade do que é belo para não reverberar esse ideal de beleza exaltado por gerações? E as palavras ditas? Há um cuidado com relação a elas e um entendimento de que o racismo se expressa também por meio de expressões corriqueiras? Para ser de fato um agente contra o preconceito, é preciso entender que o racismo é ardiloso e, em uma sociedade racista, ele está em todos os lugares.

O que você tem ao lado da sua cama é uma mesinha de canto, e não um “criado-mudo”. Essa expressão compara o móvel a uma função até outro dia ocupada por pessoas negras escravizadas. Eram elas que ficavam do lado das camas, em silêncio, prontas para servir. Até mesmo quando pensam que estão falando bonito podem estar cometendo na verdade um ato racista. Quem nunca ouviu o tão famoso entre advogados “denegrir”? No dicionário, a palavra quer dizer “tornar negro” no sentido de “manchar a reputação”. Já se perguntou o motivo de “empretecer” ser associado a algo negativo? Sim, tem ligação com o fato de a negritude ser vista como um defeito por quem tem preconceito. 

Esses são apenas uns exemplos que mostram possibilidades de pessoas brancas somarem na luta antirracista. O Dia da Consciência Negra está batendo à nossa porta para nos lembrar que existe uma parcela da população sofrendo vários tipos de violência e ainda precisando de ajuda. 

Nesse dia, uma opção de ajuda já é barrar a turma do “só acredito em consciência humana”. Esse discurso raso tenta desqualificar o racismo, como se ele não existisse efetivamente. Talvez para quem não o sofre diariamente até possa parecer que não mesmo. Mas, para quem é visto sempre como uma ameaça, ou não consegue o mesmo espaço e direitos apenas em função da sua cor, ele está vivo. Não só vivo, como presente diariamente. E por qual razão eu escrevo este texto para dizer que o assunto racismo é universal?

Primeiro, porque um racista não vai parar para ouvir pessoas negras. Segundo, porque é exaustivo para pretos e pretas serem vozes solitárias e desqualificadas em função de demonstrar o que sentem. E, por último, porque vocês estarão em rodas em que pessoas negras ainda não entram. E é lá onde você pode ser antirracista na prática. E não nas redes sociais.