O racista brinda com você
Acontece que essa normatização do racismo não foi inventada por eles. Ela é sintoma de uma sociedade que abraça o racismo com todas as suas forças
Preto não pode nem ser legal que sofre racismo. A frase assim, solta, “de supetão”, pode soar agressiva. Talvez seja não pelo dito, mas pelo fato de ser real. Falo isso não só por experiência de vida, como uma mulher negra, mas também pela coleção de histórias já presenciadas. E acredito que, até o final deste texto, mais pessoas possam concordar.
Vamos a exemplos. Para pegar um caso recente e que está bem falado nas redes sociais, vamos refletir sobre a situação envolvendo Renata Saldanha, Maike Cruz e Camilla Maia, no “BBB 25”. A Camilla foi “legal” com os demais e foi para o fogão. Em vez de os outros participantes ficarem gratos, eles a classificaram como aquela que está ali para isso. Para eles, soou de forma natural taxar a mulher negra como a serviçal que está lá com a função de servi-los.
Acontece que essa normatização do racismo não foi inventada por eles. Ela é sintoma de uma sociedade que abraça o racismo com todas as suas forças. Isso diminui a responsabilidade de duas pessoas adultas pelo que elas dizem? Óbvio que não. Até acho que é muito pelo contrário. Esse tipo de situação só vai parar de acontecer quando houver responsabilização e penalização adequadas.
Citei esse exemplo para explicar o motivo de achar que é quando estamos de “guarda baixa” que somos nocauteados pela discriminação. Eu poderia citar muitos, mas muitos mesmo, casos ocorridos comigo. Foi depois de ter sido simpática com uma pessoa conhecida que ouvi: “Que sorte a sua filha não ter nascido com o cabelo igual ao seu”, ao que respondi um amarelo “pois é”. A falta de reação tem ligação com a tal da “guarda baixa”. Eu não esperava pelo “soco” e fiquei sem defesa. Em várias situações, foram pessoas próximas que disseram coisas como: “Não faz coisa de preto” ou qualquer outro desaforo a que, em condições de alerta, eu teria uma resposta.
Mas o racista sabe a hora de agir. Ele questiona a sua aparência com um sorriso nos lábios, depois de ter brindado com você em uma mesa de bar. Ali, no auge da descontração, ele vai te desqualificar. E assim, meio que “sem querer”, vai te colocar em um lugar em que você não merece estar. Se você for branco, talvez já tenha presenciado alguma ação assim direcionada a algum negro que só queria ser legal e ter paz para ser ele mesmo.
Aí, quando acontece alguma situação de racismo, somos confrontados a um extremo em que nos cobramos uma atitude. E a gente não queria agir, às vezes. Em alguns momentos, queremos apenas estar ali como qualquer outro. Então, entramos em um novo momento: o do julgamento. Se nos posicionamos como o merecido, como o justo, somos criticados. Podemos nos encaixar num estereótipo de pessoa agressiva, mesmo não sendo. O não posicionamento não nos isenta de críticas. Às vezes, somos nós mesmos que nos julgamos por ter deixado ar mais uma ofensa.
Já quem foi racista, o que deveria de fato estar se sentindo mal, normalmente é amparado como aquele que “não fez por mal” ou que não sabia que ser racista era racismo. Tem aqueles que falam: “Gente, como eu iria pensar que falar isso era discriminação?”. É o mesmo que perguntar: “Como saber que ser ofensivo é ofensa?”. Não adianta pedir que a pessoa se coloque no lugar de quem foi ofendido. Tem dores que apenas quem sente sabe como ardem. O racismo é uma delas, porque é uma forma de agressão que vem também de quem você confia, chama de “amigo” ou até ama. E tudo isso, quando somos legais com quem não merecia consideração.