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Tatiana Lagôa

Tatiana Lagôa é jornalista e integra a lista dos 550 jornalistas mais premiados do Brasil. Atualmente, é editora de Cidades, colunista responsável pela Coluna RepresentAtividade e integrante do Programa Interessa, da FM O TEMPO.

REPRESENTATIVIDADE

No país da piada pronta ...

É nesse país – repito – da piada pronta que um projeto de lei tenta punir quem comete o que chamam de “racismo reverso”

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 14 de fevereiro de 2025 | 06:00

No país da piada pronta, toda versão é levada a sério. Mesmo as que parecem humor. Mentiras se espalham pela internet e inflamam pessoas ao ponto de o fato, não acontecido, gerar brigas na vida real. E até assassinatos em casos mais extremos. 
No país da piada pronta, até o Legislativo se baseia em teorias sem respaldo para criar leis. E essas regras vão nortear a vida de milhões de pessoas. E é nesse país – repito – da piada pronta que um projeto de lei tenta punir quem comete o que chamam de “racismo reverso”. Proibir e criar regras de punição para algo que não existe é como prever prisão da mula sem cabeça ou do saci. 

Por qual motivo estou falando isso? Vamos ao contexto. O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus para anular os atos de um processo de injúria racial de um homem negro supostamente contra um branco. A justificativa do colegiado foi: “A injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição”, pois “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”. Achei essa explicação bem boa, para falar a verdade. Mas, no país dos memes, dois deputados federais tentam emplacar projeto de lei para criminalizar esse tal racismo contra brancos. 

Tá bom, eu sei que basta colocar em buscadores da internet o termo “racismo reverso” que vamos ver várias explicações de como ele seria. Do mesmo jeito que encontramos quem negue coisas comprovadas pela ciência há anos, como os que defendem que a terra seja plana. Apesar de ter dúvidas se pessoas com ideias já cristalizadas vão mudar de opinião ou ao menos prestar atenção em um texto que negue a visão delas, eu vou falar: não existe racismo de pretos contra brancos. Assim como não é feminicídio se uma mulher matar um homem. 

Vamos, neste primeiro momento, recorrer ao dicionário para nos ajudar. Racismo, ao pé da letra, é um “sistema que defende a existência de uma raça considerada superior e que, em razão disso, deve dominar outras, falando especialmente das pessoas brancas em relação a outras não brancas”, ou “sistema que busca a superioridade de um grupo étnico-racial relativamente a outros, preconizando, em particular, seu isolamento no interior de um país, normalmente visando o extermínio de uma minoria: o racismo antissemita dos nazistas”.

A partir daqui, vamos nos questionar algumas coisas. Em algum momento histórico pessoas negras escravizaram ou tomaram atitudes que poderiam levar ao extermínio de brancos? “Ah, mas meu primo foi chamado de branquelo”. Amigo, não é sobre isso. A questão é: ele é confundido com criminoso em alguns contextos só por ser branco? Ou talvez tenha perdido uma oportunidade de emprego por causa disso? A estética branca é diminuída pelas artes? Alguém sente que tem a vida afetada em várias instâncias por ser branco? Então, desculpa, isso não é racismo. Não há um sistema que preconize superioridade negra. 

“Ah, mas não posso mais chamar pessoas pretas com as palavras que meu avô direcionava a elas!”. Que bom. Isso não se chama “racismo”. O nome disso é “avanço social”. Algo que aparece no Brasil às vezes e depois some. Se você ou qualquer conhecido seu sofreu com apelidos em função de ser branco na escola, por exemplo, eu sinto muito. Mas ele foi vítima de bullying, que é uma violência lamentável também e que precisa ser eliminada do contexto escolar pela saúde mental das novas gerações. Um a cada dez estudantes brasileiros é vítima desse tipo de violência.

Aí eu te pergunto: não seria melhor nossos representantes no poder pensarem em ações reais que possam melhorar a realidade desses estudantes nas escolas, por exemplo, do que legislar o inexistente? Nem minha filha de 9 anos acredita mais em Papai Noel e nós, adultos formados, vamos mesmo nos deixar levar por informações equivocadas?