Historicamente, o brasileiro tem uma “relação forte” com o voto, principalmente após a redemocratização e a primeira eleição direta para presidente da República, em 1989, depois do fim da ditadura militar (1964-1985).
O movimento Diretas Já, que teve início em 1983 e viu seu auge em 1984, na reta final dos anos de chumbo, foi um dos responsáveis pela valorização do voto por toda uma geração de brasileiros que ainda não tinham tido a oportunidade de escolher o presidente pela via direta.
Com um baixo número de abstenções, que nunca mais se registrou no Brasil, as eleições de 1989 foram marcadas por um entusiasmo popular que também nunca mais foi visto, segundo o professor de história Eugênio Raggi.
“O ânimo e a energia do povo eram inversamente proporcionais aos de hoje. Depois de 1989, nunca mais se viu tanta mobilização e envolvimento do povo brasileiro com as eleições presidenciais. E acho difícil que isto volte a acontecer”, afirmou Raggi.
O Diretas Já foi encabeçado por lideranças políticas e personalidades brasileiras e tinha como bandeira a volta das eleições diretas para presidente da República no país.
Até então, desde 1960, o povo brasileiro não ia às urnas para escolher o presidente. Em 1964, quando ocorreria o próximo pleito, os militares promoveram o golpe, abolindo as eleições diretas para o cargo máximo do Executivo do Brasil.
A ditadura só terminaria em 1985, mesmo assim sem eleição direta. Naquele ano, o Colégio Eleitoral, formado por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados, elegeu Tancredo Neves (PMDB) o primeiro presidente civil do Brasil em 21 anos.
O movimento teve a participação de políticos como Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, entre outros, e de personalidades como os jogadores de futebol Sócrates e Casagrande, as cantoras e os cantores Beth Carvalho e Fafá de Belém, Chico Buarque, Martinho da Vila, além de jornalistas e intelectuais de todo o país.
O texto que previa a volta das eleições diretas para presidente, a Emenda Dante de Oliveira, chamada assim por causa do deputado que a propôs, acabou não sendo aprovado no Congresso Nacional.
A eleição indireta de 1985 acabou não fazendo jus ao enorme clamor popular de todo o país. Ao todo, foram 32 comícios em todos os Estados da federação. Cerca de 400 mil pessoas tomaram a praça Rio Branco e arredores, em Belo Horizonte, no dia 24 de fevereiro de 1984, no maior movimento popular das Diretas Já até então.
O comício da capital mineira só seria superado pelo do Rio de Janeiro (1 milhão de pessoas, na Candelária, no dia 10 de abril) e pelo de São Paulo (1,5 milhão de pessoas, na praça do Anhangabaú, no dia 16 de abril).
Alta na abstenção não fragiliza democracia
Apesar do aumento das abstenções nas eleições ao longo das três últimas décadas, que podem refletir certa descrença da população com a classe política, especialistas acreditam que o fenômeno não significa necessariamente que haja uma fragilização da democracia brasileira.
Para o professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e PhD em comunicação e cultura contemporâneas Camilo Aggio, algumas pessoas até deixam de votar justamente por acreditarem na estabilidade da democracia no Brasil, que, segundo ele, já não requisita um nível tão alto de engajamento na hora de ir às urnas.
“É uma própria ideia de estabilização da democracia. Então, muitas pessoas acabam deixando de votar porque o sistema é relativamente funcional, de modo que não é preciso um engajamento, digamos assim, tão intenso em termos eleitorais”, disse Aggio.
Para o professor, a descrença de muitos brasileiros com a política é um fato real, mas isso não pode ser apontado como principal justificativa para ausência nas urnas e nem como uma ameaça à estabilidade democrática do país.
O advogado especialista em direito eleitoral e analista político Luís Gustavo Riani avalia que, mesmo que não seja bom para a democracia, o elevado número de abstenções não a enfraquece. Segundo ele, pior que o aumento da abstenção é o baixo envolvimento das pessoas com as diversas questões da política que afetam a vida de todos.
“A democracia em si fica um pouco mais ‘abalada’ na hora que as pessoas se abstêm de votar, mas penso também que isso não é de todo ruim para a democracia. Nós temos vários países no mundo onde o voto não é obrigatório, e são países extremamente democratas. Então, eu não acho que o aumento da abstenção enfraquece a democracia em si, mas penso que enfraquece a política. Isso, sim”, destaca Riani.