O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública ambiental contra as empresas Andrade Gutierrez Engenharia, Ambipar Environmental Solutions-Soluções Ambientais (Ambitec) e ETC Empreendimentos e Tecnologia em Construções para que a Justiça Federal obrigue às companhias o desassoreamento de trechos da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. O documento prevê que 17,4 hectares da Enseada do Zoológico sejam desaterrados como também prevê a retirada de diques e estradas de serviços instalados na lagoa.
“O objetivo é garantir a restauração integral do espelho d'água e da orla da lagoa, com o retorno à situação anterior às intervenções irregulares feitas pelas empresas durante a execução de contratos celebrados com a Prefeitura de Belo Horizonte”, informa o MPF. A ação ajuizada pelo órgão relata que ações das empreiteiras entre 2013 e 2021 causaram “grave dano ambiental”, afetando as dimensões cultural e natural do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha, bem protegido por tombamento nas três esferas da federação.
A ação ainda pede que as empresas rés promovam a restauração da profundidade média da Enseada do Zoológico quando de seu tombamento, para que haja reparação integral do dano ambiental, incluindo dano moral coletivo, sob pena de multa diária de R$ 1,5 milhão. O MPF lembra que os tombamentos funcionam como salvaguarda do patrimônio cultural e natural da Lagoa da Pampulha contra “qualquer ato que ameace sua preservação, de modo a garantir sua conservação integral”. O texto reforça ainda o fato de o conjunto ter sido incluído na lista da Unesco como Patrimônio da Humanidade.
“Tal reconhecimento demonstra o valor cultural, histórico, ambiental e paisagístico do bem, e, consequentemente, os cuidados que se deve dispensar a ele, já que atingiu juridicamente todas as esferas de proteção possíveis, num reconhecimento indiscutível de seu valor cultural”, destaca a ação. “Em todos os documentos de tombamento e no próprio ato da Unesco ficou expresso que a orla e o espelho d’água da lagoa são elementos integradores e articuladores do Conjunto Paisagístico da Pampulha, estando intrinsecamente interligados e igualmente protegidos pelos atos de tombamento”, afirma o MPF.
“Na prática, isto significa que não só as edificações erguidas na orla da Pampulha, mas também o próprio espelho d’água da lagoa devem receber a mesma proteção, sendo inissível qualquer alteração na sua conformação original”, explica a procuradora da República Silmara Goulart. “Infelizmente, porém, investigação conduzida pelo MPF em conjunto com o Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado (MP-TCE) apurou a prática de inúmeros atos que não só degradaram o meio ambiente natural da Lagoa, mas acabaram por alterar o desenho original do bem tombado, com o aterramento indevido de vários trechos na sua porção oeste”, completa Silmara.
Contratos
Os contratos celebrados pela Prefeitura de Belo Horizonte com as empreiteiras tiveram como fonte um financiamento obtido pelo município, em dezembro de 2013, no valor de US$ 75 milhões.
Em 2013, foi firmado o primeiro contrato (SC-050/2013) com o Consórcio Nova Pampulha, composto pelas empresas Andrade Gutierrez e Ambitec, para serviços de desassoreamento da Lagoa da Pampulha, no valor de cerca de R$ 108 milhões. Dando continuidade aos serviços de desassoreamento, em 2018 houve a do Contrato AJ-049/2018, celebrado entre o Município de Belo Horizonte e a ETC Empreendimentos e Tecnologia em Construções, no valor aproximado de R$ 40 milhões.
De acordo com ambos contratos, os serviços de limpeza e desassoreamento da lagoa deveriam ser feitos em duas etapas. A primeira consistiria na escavação e dragagem dos sedimentos no fundo da lagoa. O material retirado seria depositado temporariamente em um local situado na própria Enseada do Zoológico até que ocorresse sua secagem quando, então, teria início a segunda etapa, com transporte desse material para locais de descarte final.
“No entanto, segundo as apurações do MPF e MP-TCE, não foi o que se viu. Técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) e do MPF constataram que, além de não ser possível comprovar ter havido efetiva escavação de todo o material do fundo da Lagoa, conforme o volume contratado para a etapa 1, também não foram realizados os transportes do bota-espera para os bota-foras, o que culminou no aterramento doloso da Enseada do Zoológico”, informa o órgão.
Perícia
A perícia documental feita pelo MPF encontrou “diversas irregularidades nos documentos apresentados pelas empreiteiras para comprovar a execução dos serviços e receber o pagamento correspondente”.
De acordo com a ação, “a análise pericial dos documentos de execução dos contratos aponta para a prática de fraudes, falsidades e simulação, tais como: falta de comprovação do transporte para fora dos limites da Lagoa de milhares de metros cúbicos de sedimentos; volume de transporte medido inexequível; divergência entre boletins de medição, diários de obras e fichas de controle de transporte de sedimentos para os bota-fora; impossibilidade de ocorrência do volume informado como transportado para os bota-fora; imprecisão, fragilidade e descrédito da documentação que registrou a simulada execução do transporte, notadamente as ‘CTR e os tíquetes’, documentos sem data; falhas em numeração e preenchimento, fichas sem indicação do volume de carga transportada ou com volumes idênticos, ou com placas diversas das relativas aos caminhões da contratada; falsidade de emissão de documentos que deveriam acompanhar os caminhões que deveriam sair da Enseada do Zoológico, mediante simulação de milhares de viagens de caminhão, para transporte dos sedimentos do bota-espera para os bota-fora, sem que houvesse o efetivo cumprimento dessa etapa 2 da execução dos serviços”.
Para o MPF, a falta suposta falta de credibilidade dos documentos relacionados à segunda etapa do desassoreamento, “bem como a falsificação documental”, “conduzem à inevitável conclusão de que os sedimentos com previsão de serem transportados para o bota-fora nunca saíram do bota-espera da Enseada do Zoológico, acarretando, com isso, o aterramento criminoso e a total destruição dessa parte do espelho d´água, com consequente mutilação do bem tombado, além da apropriação indevida dos recursos públicos referentes aos serviços não realizados”.
“Com isso, após diversas intervenções promovidas na Lagoa da Pampulha e contratos milionários celebrados para desassoreamento e limpeza de suas águas, o cenário que hoje se descortina é o de duas enseadas aterradas e extensas áreas assoreadas, com risco de perda paulatina de outras duas enseadas (AABB e Olhos D´água), que estão bloqueadas por diques e estradas de serviço construídas pelos contratantes a pretexto da execução dos contratos e que deveriam ter sido retirados após a sua conclusão, mas lá permanecem até hoje”, relata Silmara Goulart.