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Bastidores: governadores ficam insatisfeitos com plano apresentado por Haddad

Governadores do Sul e do Sudeste estudam agora com Pacheco uma alternativa para a solução da dívida dos Estados com a União

Por Fransciny Ferreira
Publicado em 27 de março de 2024 | 10:54

“Primeiro, foi uma surpresa. Depois, digamos que ficou um pouco de indignação”. Foi assim que um interlocutor resumiu a reunião, na última terça-feira (26), em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a um grupo de governadores do Sul e do Sudeste a proposta que condiciona a redução dos juros das dívidas dos Estados com a União ao investimento em ensino médio técnico (EMT). 

Um dos governadores que participou do encontro contou sob anonimato que, ao serem convidados para comparecerem a uma reunião em Brasília, havia a expectativa de que o ministro apresentasse um parecer para a reformulação do Regime de Recuperação Fiscal (RFF). No entanto, foram surpreendidos com uma proposta que trata sobre a questão dos juros, mas, na prática, condiciona os governos estaduais a investirem em um plano do governo federal. 

Em coletiva de imprensa, em frente ao Ministério da Fazenda e ao lado do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, os governadores cumpriram a liturgia e elogiaram a iniciativa do governo em abrir diálogo. Deixaram claro, contudo, que seria necessário analisar melhor a proposta de Haddad e indicaram inicialmente uma necessidade de os investimentos não serem condicionados somente ao EMT. 

Mas, horas depois, eles já estavam com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), queixando-se do ministro e buscando outras alternativas. O senador mineiro apresentou, em novembro do ano ado, uma proposta alternativa ao RRF para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Haddad. A proposição foi criticada pelos chefes das istrações estaduais, como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). 

Diante disso, os membros do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) chegaram a apresentar pouco tempo depois uma outra proposta ao Ministério da Fazenda, que tratava entre outros pontos sobre o indexador de juros da dívida. Mas diante do novo plano de Haddad, eles começaram uma nova conversa com Pacheco para buscarem uma alternativa que seja resolvida no Legislativo e não dependa da “boa-vontade” do governo federal.

A proposta do senador previa, entre outros pontos, o refinanciamento dos ivos e a federalização de estatais para abater parte da dívida do Estado com a União. No caso de Minas Gerais, entrariam nesse bojo: a Codemig, da Cemig e a Copasa. Em coletiva de imprensa na terça-feira, Pacheco indicou que seguirá com esse projeto no Congresso mesmo se não houver parecer da equipe econômica sobre o texto - como era esperado. Segundo interlocutores, há espaço para aprovação na Câmara e no Senado.

Governadores buscam agora que seja acoplado nesse texto sugestões do Cosud, como do indexador da dívida. Essa movimentação do Ministério da Fazenda colocou Zema e Pacheco do mesmo lado da trincheira. A principal preocupação do governador mineiro é com o prazo. Minas já pediu por duas vezes ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prorrogação do prazo do fim da carência da dívida de R$ 165 bilhões do Estado com a União. A nova data-limite se encerra em 20 de abril. 

Sem uma solução próxima, Zema já indicou que pedirá uma nova prorrogação. O argumento é de uma falta de solução da Fazenda sobre o tema. Um exemplo é que o projeto sobre o EMT deve chegar em um consenso em cerca de dois meses, segundo expectativa do governo federal. E, só após isso, será enviado ao Congresso Nacional. Em meio a esse imbróglio, Pacheco poderá dar celeridade à proposta de autoria dele se houver apoio dos governadores. 

“Muitos governadores já fazem investimentos na área do ensino médio técnico e acreditam que a proposta de Haddad fica muito condicionada a um só tema, e favorece o governo federal. Esperávamos X, e Haddad nos trouxe outra letra do alfabeto. As conversas sobre esse projeto vão avançar, mas há um receio sobre a demora. Então, vamos tentar com o Pacheco um plano B se a Fazenda não indicar que vai ter uma mudança no Regime de Recuperação Fiscal”, contou um secretário de Estado.

 

Entenda pontos da proposta do Ministério da Fazenda

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a um grupo de governadores, nesta terça-feira (26), uma proposta que condiciona a redução dos juros das dívidas dos Estados com a União ao investimento em ensino médio técnico (EMT).  A aposta da equipe econômica federal também reforça o esforço que o governo tem adotado em discurso, nas últimas quatro semanas, de se mostrar como uma gestão que se preocupa com educação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido agendas voltadas para educação e um dos motivos, segundo interlocutores, é conseguir se aproximar da população que é impactada diretamente pelos efeitos desses programas sociais. A expectativa é de que, com isso, a popularidade do petista e do governo cresçam.

A nova alternativa, chamada de "Juros por Educação", propõe que os Estados que aderirem ao pacto terão uma redução temporária (de 2025 a 2030) das taxas de juros aplicadas aos contratos de refinanciamento de dívidas. E a istração estadual que aderir ao programa poderá optar por diferentes taxas de juros. Cada uma das faixas demandará contrapartidas distintas. 

A uma taxa de juros real de 3% ao ano, por exemplo, o ente federado precisa aplicar ao menos 50% da economia proporcionada pela redução dos juros na criação e ampliação de matrículas no EMT. Ao aderir a faixa que dá juros reais a 2,5% ao ano, o Estado precisa aplicar ao menos 75% da economia na ampliação de matrículas ensino técnico. Já na faixa com os juros mais baixos (2% ao ano), o investimento precisa ser de 100% do que foi economizado com juros. 

Um ponto contemplado do plano de Pacheco é a amortização extraordinária com ativos, mas limitada. Isso significa que se reduzir 10% da dívida, os juros caem 0,5% dos contratos ao ano. Se a redução for de 20%, a queda nos juros será de 1%. De acordo com o texto, isso ocorrerá independentemente da adesão ao Juros por Educação.