Problema social

Racismo no futebol: punição, apenas, não resolve, dizem especialistas

Dos 19 casos denunciados por injúria racial em 2022 ao STJD, 13 foram julgados e punidos

Por Gabriel Moraes
Publicado em 04 de agosto de 2023 | 10:28

Casos de racismo e injúria racial no futebol, assim como em outros setores da sociedade, não aumentaram. Mas as denúncias e movimentos antirracistas, que dão mais luz ao tema, sim. Segundo levantamento do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, no Brasil, foram registrados 90 casos de ofensas raciais em 2022, contra 64 em 2021. Um aumento de 40%. Os dados de 2023 serão concluídos no final da temporada esportiva.

Criado em 2014, o observatório tem o objetivo de monitorar, acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, assim como divulgar e desenvolver ações informativas e educacionais que visam erradicar o crime, sendo referência no levantamento de dados, por exemplo. Segundo Luciano de Jesus, ativista e integrante do projeto, mudou a percepção da sociedade brasileira sobre o assunto e, por isso, as denúncias cresceram.

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“Notamos um aumento pelo fato das pessoas estarem mais interessadas. Porém, acho que a maioria dos casos acaba caindo no esquecimento público, e a sociedade não vê aquilo como algo estrutural e social, e sim, casos isolados”, ponderou.

Até junho deste ano, a Conmebol recebeu nove denúncias de casos de racismo, em jogos envolvendo as copas Libertadores e Sul-Americana. Oito delas em jogos com times brasileiros. Em três casos, os clubes foram punidos com multas de cerca de R$ 500 mil. Para Thiago Teixeira, filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), as punições, por si só, não resolvem o problema, que está incrustado nas raízes culturais. “Combater o racismo apenas com punições não alcança o racismo como fenômeno. É claro que são importantes as punições, mas é preciso pensar na educação e mudança cultural”, opinou.

Segundo ele, o racismo ainda reflete uma cultura baseada em poder e submissão. “Entendo que o racismo é um sistema de poder, com o propósito de os negros estarem em vulnerabilidade e que a violência contra eles torne-se um espetáculo. O fenômeno aparece no futebol diretamente, mas também na sociedade em forma de microviolências indiretas. O racismo se manifesta no campo da recreação, que está vinculado aos conflitos sociais”, completou.

Ações

Dos 19 casos denunciados por injúria racial em 2022 ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), 13 foram julgados e punidos, ou seja, mais que o dobro do ano anterior, quando foram seis punições. Somadas as penas, foram aplicados R$ 335 mil em multas e um total de cinco partidas e 370 dias de suspensão aos clubes e pessoas infratoras.

Segundo o vice-presidente istrativo da Corte, Maurício Neves Fonseca, a luta contra essas práticas ilegais é uma das responsabilidades do STJD. E um fato que tem ajudado nas comprovações e identificações é o apoio de testemunhas, como os próprios torcedores que gravam imagens de colegas de arquibancada infratores.

 “A partir do momento que um torcedor verificar que o outro está praticando um ato discriminatório, ele tem que denunciar e chamar a polícia para tirar essa pessoa do estádio. Pessoas assim não interessam para o futebol, nós não queremos esse tipo de público nos estádios”, pontuou o magistrado.

Um dos casos foi registrado na Série C do Campeonato Brasileiro, quando um torcedor do Brasil de Pelotas fez gestos na direção do jogador Zé Carlos, do Atlético Cearense, imitando um macaco, sendo identificado no momento do ato. O infrator foi suspenso por 730 dias do estádio, e o clube gaúcho condenado com multa de R$ 30 mil, além da obrigatoriedade de realizar ações educativas no combate ao racismo durante as partidas no Bento Freitas.