GARIBALDI (RS) - “Já perdi tanto...”. Foi assim que Helena Postingher, de 74 anos, justificou sua recusa depois que perguntei se ela aceitaria contar sua história frente a uma câmera. Momentos antes, foi essa senhora que buscou contato com a reportagem de O TEMPO em um hotel na cidade de Garibaldi, na Serra Gaúcha. Ela perdeu o que tinha dentro de uma casa alugada no bairro Mathias Velho, em Canoas.
Helena queria saber se éramos ali da região. Estávamos nos servindo do café da manhã e respondi que não, que ficamos presos na cidade por conta do risco de deslizamentos. Nos minutos seguintes de conversa, a cada palavra dela, uma lágrima escorria.
Muitos querem contar suas histórias, mas essa dificuldade de falar sobre o “perder tudo” não é incomum entre os afetados pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O sentimento se soma ao pensamento de que poderiam nem estar vivos.
Com todo o direito do mundo, essas pessoas estão mais do que abaladas. Muitas sequer conseguem terminar uma frase sem que a emoção tome conta. Pensam, ainda, que terão que sobreviver e recomeçar uma parte de suas histórias.
A trava em falar sobre o ocorrido, tão recente, vai além de Helena. As pessoas não conseguem falar ao verem, por exemplo, seus carros debaixo d’água. Também amos, em vários momentos, por pessoas que encerravam as entrevistas, elas mesmas, porque colocar para fora causa tanta dor do que deixar guardado.
Helena estava no hotel em Garibaldi com o filho, Eduardo Postingher, de 47 anos. Os dois deixaram Canoas dias após as enchentes, quando as estradas ficaram minimamente seguras, para olhar a situação de uma casa que possuem na região. O plano deles era sair do café da manhã e ir a uma imobiliária pegar as chaves do imóvel, que estava alugado.
Por ainda terem uma casa, os dois sabem que não estão na pior circunstância. Em todo o Estado, há milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas. “A gente até tem uma reserva, mas que iria para outras coisas. A gente nunca imaginou que teria que usar desse jeito”, contou Eduardo.
O alerta das estradas
Ficamos presos em Garibaldi, cidade distante cerca de 100 km de Canoas, pelo risco do anoitecer. A viagem de pouco mais de uma hora no último domingo (12) se estendeu por quatro (na volta, no dia seguinte, foram seis horas de deslocamento). Fomos acompanhar a chegada de um caminhão de doações, que descarregaria 30 toneladas de mantimentos por volta de 12h.
Não contamos, porém, com a possibilidade de que o veículo ficasse travado por mais de três horas em um ponto de alerta de deslizamento, na cidade de Antônio Prado. Quem estava nesse caminhão era o repórter fotográfico Rodney Costa, que saiu de Belo Horizonte três dias antes.
Rodney contou que o solo estava molhado, o que tornou a situação ainda mais arriscada para que oficiais liberassem a pista. Com isso, a missão de acompanhar essa chegada das doações foi encerrada apenas por volta das 19h. Sair de noite seria praticamente assumir um risco iminente de tragédia.
Não teríamos visibilidade, por exemplo, para prever uma situação de perigo na rodovia. Especialmente depois de um trajeto de ida inteiro debaixo de chuva, lama na pista e de verdadeiras cachoeiras nas encostas, anunciando a queda da água nos morros. Ainda, uma pedra imensa que deslizou e bloqueou um sentido da rodovia.
A nossa situação, extremamente pequena diante do que a quase toda a população do Rio Grande do Sul, foi mais um ponto para colocar luz na gravidade do momento para os gaúchos. Helena e Eduardo conseguiram sair de Canoas, mas há ainda centenas de pessoas que tentam pegar as estradas das cidades mais afetadas. Além disso, dependem dessas vias, que prenunciam riscos, para conseguirem seguir a vida com doações.