SAÚDE

Falta de diálogo entre Fhemig e servidores causa temor por fechamento de hospital em BH: ‘Inseguros’

Fundação garante reabertura do bloco cirúrgico em abril, um mês além do previsto; equipamentos foram para o João XXIII

Por Isabela Abalen
Atualizado em 06 de fevereiro de 2025 | 19:02

A rotina dos servidores do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), na região Centro-Sul de Belo Horizonte, tem sido marcada pelo medo desde o fechamento do bloco cirúrgico da unidade, há quase dois meses. Os funcionários desconfiam de uma série de indícios de que o hospital, retaguarda do Pronto-Socorro João XXIII, pode não ter continuidade. Um equipamento do bloco operatório, que estaria quebrado – motivo da paralisação – ou por manutenção, mas foi transferido para o João XXIII, assim como equipe e pacientes. Além disso, o HMAL deixou de ser citado em comunicados internos da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e por representantes do Complexo de Urgência, o que tem alimentado rumores sobre o fechamento total do hospital. “Estamos inseguros, adoecendo, principalmente pela falta de respostas”, denuncia uma servidora da equipe de saúde, que prefere não se identificar. A Fhemig, por outro lado, afirma que o bloco cirúrgico será reaberto em abril. 

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"A direção do Complexo de Urgência da Fhemig tem afirmado insistentemente que o defeito no arco cirúrgico do Amélia Lins resultou no fechamento do bloco, o que causou inúmeros prejuízos aos pacientes. No entanto, estranhamente, mandaram calibrar o arco para utilizá-lo no João XXIII. Qual seria o intuito da diretoria?", questiona a profissional. De fato, a reportagem de O TEMPO teve o a um documento do setor de patrimônio do HMAL, que indica que dois arcos cirúrgicos – aparelhos de radiografia portátil – do bloco estão "regulares" e "em uso".

No entanto, os equipamentos não retornaram à unidade. A situação é estranha, pois a justificativa apresentada pelo Estado em janeiro para o fechamento do bloco foi a “manutenção de equipamentos". 

Um vídeo gravado por funcionários mostra o arco cirúrgico sendo entregue no João XXIII. No pronto-socorro, outra coincidência chama a atenção dos servidores: conversas do diretor clínico aos gestores, por um aplicativo de mensagens, indicam a expectativa de chegada de dois novos arcos cirúrgicos para o João XXIII em março. A quantidade e o mês coincidem com os apresentados pela Fhemig para o Amélia Lins, dando a entender que os equipamentos serão, na verdade, encaminhados para o pronto-socorro.

“O medo continua, a insegurança continua. Nós não temos absolutamente nada de efetivo. A Fhemig, a cada momento, fala uma coisa e não oficializa nada. Isso coloca os trabalhadores em um quadro de vulnerabilidade muito grande”, denuncia Neuza Freitas, diretora executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG).

Questionada pela reportagem, a Fhemig confirmou a compra de dois arcos cirúrgicos, com prazo de entrega para março, sem especificar o local de destino. A fundação itiu que o aparelho do bloco operatório do Amélia Lins, que estava estragado, já está em uso no João XXIII, justificando que isso é temporário enquanto a ala cirúrgica do HMAL a por reforma para “melhoria da rede elétrica e instalação de equipamentos”.

Com isso, o prazo de retomada das cirurgias no Amélia Lins, antes previsto para março, foi prorrogado para abril. "Alguns equipamentos do HMAL já foram recuperados, e a reforma do bloco cirúrgico segue, com conclusão prevista para os próximos 60 dias", afirmou a fundação. Apesar de não comentar diretamente os rumores sobre o fechamento do Amélia Lins, a Fhemig afirmou que "está analisando estratégias para tornar o HMAL ainda mais produtivo".

‘Apagamento do HMAL’ e propostas de transferências aos trabalhadores

Para os servidores, os indícios da possível descontinuidade do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) só aumentam. Até a manhã desta quinta-feira (6 de fevereiro), o diretor do Complexo Hospitalar de Urgência e Emergência, Fabrício Giarola, que tem representado a Fhemig nas reuniões com o Ministério do Trabalho, não mencionava o HMAL ao listar os hospitais sob sua direção nas redes sociais. “Diretor dos Hospitais João XXIII e Infantil João Paulo II”, dizia a biografia. O texto foi alterado na parte da tarde, após questionamento da reportagem.

Além disso, um conteúdo interno da Fhemig, encaminhado aos servidores sobre a contratação de e de Tecnologia da Informação (TI), citou os hospitais da fundação, incluindo o Complexo de Urgência, mas "esqueceu" o Amélia Lins. “O HMAL sempre foi citado. Todos os planejamentos de 2025 não mencionam o Amélia Lins. Já viramos deboche. Um dos diretores deu um sorrisinho e assinou o abaixo-assinado que estávamos rodando no ambulatório para proteger o hospital. É muito triste”, lamenta uma trabalhadora.

Entre as equipes, outro indício é o aumento das propostas de transferência para outros hospitais. A servidora que conversou com a reportagem, sob anonimato, mostrou o print de uma conversa em que sua chefe pergunta se ela gostaria de ir para o João Paulo II ou para o João XXIII.

“Além dos trabalhadores do bloco cirúrgico, que já foram transferidos para o pronto-socorro, essa proposta tem surgido também em outros setores, como o raio-X, para outros hospitais. Se era para ser algo emergencial, temporário, por que começaram a propor transferências em outras alas? Isso nos preocupa muito, e não estamos conseguindo respostas. A comunicação com a Fhemig está muito difícil”, diz a diretora do Sindsaúde-MG, Neuza Freitas.

A reportagem questionou a Fhemig sobre as acusações e a ausência de menções ao HMAL nos comunicados da fundação, mas não obteve resposta. A Fhemig limitou-se a informar que "as tratativas das reuniões com o Ministério do Trabalho sobre o HMAL prosseguem dentro dos prazos estabelecidos".

Cirurgias canceladas sem data de retorno

Um dos médicos do HMAL, que não será identificado, descreve a situação no pronto-socorro do João XXIII como “caótica”, com cancelamentos de cirurgias e ausência de previsão para reagendamento – o que pode resultar em uma espera de meses.

“No Amélia Lins, é comum termos uma escala fixa semanal. Em um dia, realizamos de 12 a 15 cirurgias. São casos agendados que precisam ser feitos dentro de um prazo. Desde que fomos transferidos para o João XXIII, essa escala não se mantém. Em alguns dias, metade das cirurgias é cancelada sem aviso prévio aos pacientes”, denuncia o cirurgião. Ele destaca que o Amélia Lins oferece técnicas cirúrgicas em ortopedia que não estão disponíveis em todos os hospitais, o que aumenta significativamente a demanda.

A dificuldade de remarcação agrava a situação, criando uma fila que parece interminável. “A fila é enorme, eu costumo dizer que é infinita. A demanda só cresce e, com os cancelamentos, o problema se torna uma bola de neve. Não é possível definir que um caso é mais urgente que o outro. Temos cirurgias agendadas até fevereiro. Os casos cancelados saem do João XXIII sem previsão de retorno. Não há como oferecer um prazo agora”, lamenta o profissional. Ele relata ainda que, em algumas situações, pacientes viajam mais de 300 km para realizar os procedimentos, mas acabam voltando para casa sem atendimento.

O que diz a Fhemig? 

“A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) confirma que estão sendo adquiridos dois novos arcos cirúrgicos, com a previsão de entrega para março. Alguns equipamentos do HMAL já foram recuperados, incluindo o arco cirúrgico, e segue a reforma do bloco cirúrgico – com conclusão prevista nos próximos 60 dias. Estão sendo realizadas intervenções de infraestrutura para melhoria da rede elétrica e instalação dos equipamentos.

Enquanto o bloco cirúrgico do HMAL a por reforma, o arco cirúrgico recuperado está sendo utilizado no Hospital João XXIII (com plena capacidade de atendimento e que pertence ao mesmo Complexo) e mantém a média anterior de cirurgias (200 mensais) atendida no Maria Amélia Lins. Além disso, a Fhemig está analisando estratégias para tornar o HMAL ainda mais produtivo.

Esclarecemos que o HMAL realiza cirurgias de "segundo tempo" apenas em pacientes oriundos do HJXXIII que, após arem por um primeiro procedimento no momento da urgência, ainda necessitam de nova cirurgia para dar continuidade ao tratamento.

A Fhemig reitera que as tratativas das reuniões com o Ministério do Trabalho sobre o HMAL prosseguem dentro dos prazos estabelecidos.”