A tentativa frustrada de se chegar a um acordo sobre a terceirização do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), em Belo Horizonte, evidenciou uma oposição irredutível entre o governo de Minas Gerais e os que repudiam a entrega da unidade a uma entidade privada sem fins lucrativos ou a um consórcio de saúde. Durante audiência pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (19 de março), o discurso do Estado enfrentou resistência dos deputados da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Conselho Estadual de Saúde (CES-MG). Em alguns momentos, a fala dos representantes do Executivo foi ofuscada por vaias de profissionais de saúde presentes.

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O clima de tensão tomou conta do auditório nos primeiros minutos da audiência, quando foi notada a ausência da presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Renata Ferreira Leles Dias, e do secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti. Em seus lugares, foram enviados representantes: Patrícia Albergaria, vice-presidente da Fhemig; Fabrício Giarola, diretor do Complexo Hospitalar de Urgência; e Alexandre Martucheli, coordenador istrativo do complexo.

Os gestores da Fhemig apresentaram slides com dados que, na visão do governo, comprovam que o Hospital João XXIII pode absorver integralmente os atendimentos do HMAL, sem prejuízo ao SUS-MG. Esse argumento tem sido repetido desde o anúncio da terceirização, feito em coletiva de imprensa no dia 7 de março. O estudo da Fhemig aponta que, em janeiro deste ano, mesmo com o bloco operatório do Amélia Lins fechado, a equipe do João XXIII realizou 1.026 cirurgias. No mesmo período de 2024, os dois hospitais juntos somaram 918 procedimentos, uma diferença de 10% a menos.

"A proposta de transferir a gestão do Amélia Lins visa aumentar a eficiência do SUS e reduzir custos. As cirurgias continuarão sendo realizadas, mas agora concentradas em um único hospital, com os mesmos médicos, enfermeiros e servidores. Assim, ampliaremos as cirurgias eletivas no HMAL, mas sem a gestão da Fhemig, pois esse tipo de procedimento não faz parte do nosso escopo. Nós trabalhamos com urgências", explicou a vice-presidente da Fhemig, Patrícia Albergaria.

Ela reforçou que a proposta para o "novo" Amélia Lins é transformá-lo em um hospital 100% cirúrgico, dedicado a procedimentos eletivos. "Vamos disponibilizar um prédio totalmente equipado, que recebeu um investimento de milhares de reais", acrescentou. 

Mas MPMG aponta ineficiência onde o Estado enxerga otimização

A promotora de Justiça de Defesa da Saúde, Josely Ramos Pontes, rebateu imediatamente a apresentação de Patrícia Albergaria. Para a representante do MPMG, se o João XXIII pode suprir toda a demanda do Amélia Lins, então ambos os hospitais, referências em trauma e ortopedia, estão subutilizados. "O mais perigoso é isso: ar a impressão de que ficou eficiente. Não, na verdade, é o contrário. Isso prova que o João XXIII tinha uma ineficiência escancarada, pois realizava 25% a menos do que poderia. Além disso, o HMAL tem capacidade para fazer 500 cirurgias por mês, e não 250, como vinha realizando", denunciou.

Josely está conduzindo uma investigação que apura o possível sucateamento proposital do HMAL, com o objetivo de retirá-lo da gestão do Estado. O avanço dessa apuração pode levar o MPMG a processar a Fhemig nos próximos dias, caso a fundação não apresente justificativas satisfatórias para a denúncia. "O hospital Maria Amélia Lins vem sofrendo um desmonte. Antes, 60 leitos; agora, são apenas 39. Uma farmácia ocupando uma enfermaria. O fechamento do bloco cirúrgico. Há uma intenção do Estado de 'desidratar' o hospital até fechá-lo. E, ainda assim, o número de cirurgias não diminuiu, pelo contrário, aumentou", afirmou a promotora.

Deputada entrou com impugnação ao edital de terceirização de hospital de BH

Embora a audiência não tenha terminado com uma proposta de acordo entre as partes envolvidas, na ocasião, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) anunciou que havia protocolado uma impugnação ao edital de terceirização do HMAL. O documento aponta irregularidades na publicação, que vão desde a falta de informações relevantes para o processo até o subfaturamento dos equipamentos a serem entregues pelo Estado. 

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O Estado detalha no edital 5.501 equipamentos do hospital Maria Amélia Lins, totalizando um valor avaliado em R$ 6.218.140,01. Segundo a análise apresentada pela deputada, no entanto, o valor pode ser maior, uma vez que a perícia de mais de 3.371 itens foi realizada em 2019 e a de quatro itens, em 2012. Além disso, a data de avaliação de mais de 1.500 itens não consta no documento. Os equipamentos deixarão de ser públicos quando doados ao novo gestor da unidade. 

"O edital apresenta contradições. Trata-se de um edital ilegal, que não reflete os custos atuais do Hospital Maria Amélia Lins, entre outras irregularidades. Por isso, protocolei essa impugnação, destacando os vícios no processo. É fundamental que o edital seja cancelado", afirmou Cerqueira.

A Fhemig terá até três dias para avaliar o pedido da deputada. A fundação poderá justificar os erros apontados ou retirar o edital.