SAÚDE

Quase três meses após fechamento de bloco cirúrgico em BH, Estado anuncia terceirização do hospital

Edital de seleção dos interessados será publicado neste sábado (8 de março); unidade será 100% cirúrgica

Por Isabela Abalen
Atualizado em 14 de março de 2025 | 15:02

O governo de Minas Gerais anunciou, nesta sexta-feira (7 de março), a terceirização da gestão do hospital Maria Amélia Lins, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. A unidade será entregue a uma entidade privada sem fins lucrativos ou a um consórcio de saúde, que fará a gestão do patrimônio, dos trabalhadores e do atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) rompe a ligação do hospital com o Pronto-Socorro João XXIII e cria o que tem chamado de “novo HMAL”, 100% cirúrgico e para demandas eletivas — ou seja, a unidade não cumprirá mais urgências, como é a sua especialidade, e terá os ambulatórios fechados. O edital de seleção dos interessados será publicado neste sábado (8 de março). 

A decisão ocorre quase três meses após o fechamento do bloco cirúrgico do Amélia Lins, resultando na remoção de servidores e pacientes para o João XXIII. O pronto-socorro foi sobrecarregado com cerca de 230 cirurgias mensais, o que, desde o final de 2024, tem gerado diversas reclamações sobre atrasos e “caos” nos atendimentos por parte de trabalhadores e pacientes do HMAL. No fim de fevereiro, macas do Amélia Lins foram enviadas ao João XXIII, reforçando a suspeita da mudança na gestão do hospital, algo que o Estado vinha negando, conforme adiantado pela reportagem de O TEMPO.

+ 'Cancelam pacientes sem data de retorno', diz cirurgião 

De acordo com o secretário de Saúde, Fábio Baccheretti, um estudo indicou que o João XXIII não depende do HMAL – até então seu hospital de retaguarda – para atender à demanda de cirurgias de urgência. Baccheretti apresentou dados mostrando que, em janeiro deste ano, com o bloco operatório do Amélia Lins fechado, a equipe do João XXIII realizou 1.026 cirurgias, enquanto, no mesmo período de 2024, os dois hospitais juntos fizeram 918 procedimentos, uma diferença de 10% a menos. Neste ano, porém, houve um aumento na demanda por cirurgias ortopédicas de urgência em todas as unidades do SUS em Belo Horizonte, o que levou à ativação do Plano de Contingência da capital e pode ter contribuído para a elevação da produtividade.

“Durante esse período em que nós não pudemos ter o bloco cirúrgico do Maria Lins, nós conseguimos absorver toda essa demanda no João XXIII. Nossos servidores foram transferidos para o pronto-socorro, o que demonstrou a capacidade dele e uma certa ociosidade do Amélia. Então, nós temos, a partir daí, a possibilidade do HMAL ser o grande hospital de cirurgias eletivas, onde poderemos fazer cerca de 500 cirurgias todos os meses, sem comprometer as demandas de urgência”, disse. 

A terceirização do Hospital Maria Amélia Lins mantém o financiamento pelo Estado, mesmo transferindo a gestão. Os recursos virão do programa Opera Mais, política estadual de incentivo financeiro para cirurgias eletivas, que prevê um total de R$ 376,8 milhões para 2025. Já os servidores serão todos transferidos, inicialmente, para o João XXIII, assim como os pacientes que estão em acompanhamento contínuo. 

A entidade privada ou consórcio que vencer o edital assumirá o imóvel e os equipamentos gratuitamente, podendo implementar mudanças no espaço caso desejar. A nova gestão ficará responsável por contratar os novos trabalhadores de saúde que vão operar pacientes encaminhados de toda a rede SUS e não só do João XXIII, como acontece hoje. Ou seja, os funcionários não serão servidores públicos.

Fábio Baccheretti garante que os servidores que forem encaminhados ao João XXIII deverão permanecer em funções similares, sem prejuízos. “Nós precisamos deles, e o pronto-socorro é o melhor para fazer essa absorção. Não há risco de colocarmos esses servidores em alguma atividade que eles não estão acostumados, mas, lembramos que eles são médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem capazes e capacitados para poder fazer qualquer trabalho na área”, cravou. 

O secretário avalia que uma das vantagens da parceria está na contratação dos profissionais, uma vez que o Estado não consegue aumentar o número de servidores da Fhemig estabelecidos em 2015, devido à lei de responsabilidade fiscal. "Essas entidades parceiras conseguem fazer mais com muito menos do que a Fhemig. Elas têm alguns incentivos fiscais, por exemplo, que pagam menos impostos trabalhistas", continuou. 

A previsão para início da nova gestão no HMAL é para a primeira quinzena de abril. Até lá, o hospital continua a funcionar como retaguarda do João XXIII. A expectativa do Estado é que, com a chegada do parceiro, o número de cirurgias realizadas na unidade dobre, chegando a cerca de 480 procedimentos mensais. 

Funcionários lamentam

Funcionários do HMAL lamentaram a decisão. De acordo com eles, o clima é de insegurança e de medo. "Todos estão chocados. Muitos com medo da mudança, do desconhecido, com insegurança. Muitos estão ali a quase uma vida, laços foram construídos, afinidades, amizades e confiança no trabalho do seu colega. Imagina ter que romper esses laços, o prejuízo psicológico, a angústia que gera. Isso ninguém contabilizou", diz um dos funcionários que pediu anonimato.

"Assistir o que o HMAL, em sua magnitude, um dia representou para a formação de ótimos profissionais e a diferença que fez na população que carece ser apagado da história é lamentável", afirmou.

Em meio a polêmicas sobre corrupção, Estado defende as parcerias por OS

A forma como o governo de Minas Gerais tem permitido que hospitais e serviços da Fundação Hospitalar do Estado (Fhemig) sejam istrados por organizações privadas foi tema de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, no início de fevereiro. O STF analisou os editais de contratação para a gestão hospitalar na Fhemig pelas chamadas Organizações Sociais (OSs) – instituições privadas sem fins lucrativos que executam políticas públicas – e decidiu que o programa pode ser mantido, desde que seja conduzido com transparência, objetividade, impessoalidade e fiscalização do Ministério Público e do Tribunal de Contas. 

A nível nacional, um levantamento do Tribunal de Contas da União, de 2022, identificou 78 eventos de ameaça na participação de Organizações Sociais no SUS, como leis desenhadas para facilitar fraude na seleção da entidade privada e na execução dos contratos; editais com itens já direcionados a determinadas instituições; acertos que fraudam o chamamento e venda de CNPJ de entidades, e taxa de rateio (istração geral) cobrada em duplicidade. 

Sobre o tema, o secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Fábio Baccheretti, assegurou que o processo de terceirização do Hospital Maria Amélia Lins será conduzido com integridade. "Nós acreditamos nas parcerias com OSs. O Piauí está descentralizando mais de 30 hospitais, o mesmo acontece na Bahia e no Ceará. Em Minas, até agora, temos apenas um caso, em Patos de Minas, que é um sucesso. A corrupção pode ocorrer, sim, e o Rio de Janeiro é um péssimo exemplo. A grande vantagem de Minas é que temos uma lei moderna, de 2018, diferente da federal e das de outros Estados, que exige a qualificação de todos os interessados em concorrer ao edital. Todos am por verificação, e somos muito rigorosos nisso", afirmou.