POR 12 HORAS

Servidores do João XXIII fazem paralisação, e cirurgias eletivas são adiadas: ‘Está insustentável’

Ato reivindica a retomada da distribuição das demandas cirúrgicas entre o pronto-socorro e o Hospital Maria Amélia Lins, atualmente sob ime judicial

Por Isabela Abalen e Mateus Pena
Atualizado em 22 de abril de 2025 | 20:27

O atendimento aos pacientes internados no Hospital Pronto-Socorro João XXIII ocorre em escala reduzida nesta terça-feira (22 de abril). Dezenas de servidores da unidade aderiram a uma paralisação de 12 horas e estão ausentes de seus postos de trabalho. Segundo o Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG), a maioria dos profissionais que participam do ato integra a equipe multiprofissional — como técnicos de enfermagem, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Como a saúde é considerada um serviço essencial, as cirurgias de emergência estão mantidas, mas os procedimentos agendados para esta terça-feira foram cancelados. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirmou que acompanha o caso e está aberta a dialogar com os servidores. 

“Nós estamos cumprindo a lei e mantendo a escala mínima de atendimento no João XXIII, mas, do jeito que está, não dá para continuar. Cerca de 50% dos servidores aderiram à paralisação — desde técnicos até médicos — porque todos estão sofrendo com a mesma sobrecarga de trabalho”, afirma Luciana da Conceição Silva, uma das diretoras do Sind-Saúde/MG. Segundo ela, três das oito salas cirúrgicas do pronto-socorro João XXIII estão em funcionamento para emergências, enquanto as cinco demais permanecem fechadas por ausência de equipe. “Hoje, é um ato pontual. Mas seguimos em negociação e em contato com os trabalhadores. Se for necessário, faremos outras paralisações. E, se o Estado não se manifestar, entraremos em greve”, garante a sindicalista.

A paralisação é uma resposta da categoria ao imbróglio envolvendo o processo de terceirização da gestão hospitalar do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL). A unidade, que costumava funcionar como retaguarda do João XXIII, assumindo parte das cirurgias de traumato-ortopedia e bucomaxilofacial, teve o bloco cirúrgico fechado em dezembro de 2024 e, desde então, ou a sobrecarregar o pronto-socorro com mais cerca de 200 procedimentos mensais. O acúmulo de demandas tem durado mais tempo que o esperado, uma vez que, em março, foi iniciado um processo de terceirização da gestão do HMAL, o qual está paralizado por liminar do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG).

Um servidor lotado no João XXIII, que preferiu não se identificar, denunciou uma situação de exaustão entre a equipe. Segundo ele, a assistência do pronto-socorro não tem conseguido absorver toda a demanda dos dois hospitais, e os pacientes vêm sendo prejudicados por sucessivos adiamentos de cirurgias. “A instituição tem tentado equilibrar e integrar os serviços, mas não tem dado certo. São muitas dificuldades, está insustentável. O HMAL realizava, em média, até 10 procedimentos por dia; o João XXIII, até 24. Quando se junta a carga dos dois hospitais em um só, muitas cirurgias deixam de ser feitas. De uma escala de 24 cirurgias no dia, conseguimos fazer, em média, 13-14. Os pacientes ficam semanas aguardando, com os procedimentos sendo adiados repetidamente. A pressão no trabalho aumentou, e os pacientes estão pagando essa conta”, afirmou.

O relato é semelhante ao de um médico cirurgião do Hospital Maria Amélia Lins (HMAL), que foi transferido para atuar no João XXIII. Ambos os profissionais argumentam que os processos de trabalho nas duas unidades são distintos e que, no pronto-socorro, as demandas de urgência podem surgir a qualquer momento, inviabilizando a realização de procedimentos eletivos que aguardam na fila. “O funcionamento do bloco cirúrgico do João XXIII está caótico há meses. Casos de urgência disputando sala com cirurgias eletivas, cancelamentos... Infelizmente, estamos nos acostumando a esse novo normal e sendo vencidos pelo cansaço”, diz o médico.

No pronto-socorro, pacientes aflitos 

A reportagem de O TEMPO esteve, na tarde desta terça-feira (22 de abril), na porta do Hospital João XXIII, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde manifestantes penduraram um enorme cartaz com os dizeres: “HJXXIII vai parar. Responsabilidade do Zema!”. No entra-e-sai de pacientes, uma mulher de 53 anos desabafou estar há quase duas semanas esperando por atendimento, reclamando de uma dor na região do quadril que vem piorando. “A demora pode ser prejudicial para mim, porque a dor no quadril é forte até quando fico muito tempo sentada. Se eu continuar esperando, vai piorar”, relatou.

Brenda Ayala, de 22 anos, também estava aflita no hospital. Baiana, ela se mudou há poucos meses para Belo Horizonte e se assustou ao perceber que o maior hospital de urgência do Estado a faria esperar mais de três dias por um atendimento com otorrinolaringologista. A jovem relata que um dos ouvidos tem sangrado excessivamente após um acidente doméstico. “Um hospital que é referência, dessa proporção, não tem um especialista para ouvido. Fica difícil, e é uma situação muito triste. Pagamos os impostos, mas, na hora de conseguir consulta, não conseguimos”, disse.

De acordo com um funcionário do pronto-socorro, que falou com a reportagem sob anonimato, o atendimento está mais demorado que o habitual devido à paralisação dos servidores. Segundo ele, os casos que mais têm demandado atenção médica nesta terça-feira (22) são os pequenos acidentes e as ocorrências ortopédicas — com pacientes aguardando mais de duas horas para receber atendimento. Apesar da paralisação, o funcionário relatou que não houve tumulto no hospital.

Fhemig nega aumento de demanda durante feriado, e diz que escala cobre atendimentos de urgência

A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) afirmou que não houve aumento de demanda no Hospital João XXIII no feriado prolongado de Semana Santa e Tiradentes, apesar das alegações contrárias dos servidores. O Estado afirmou que os serviços essenciais estão mantidos no pronto-socorro, com escala de servidores para garantir o atendimento de urgência, inclusive no bloco cirúrgico. Além disso, reiterou o “compromisso com o diálogo aberto e transparente com os servidores".

“Em função da paralisação de servidores, nesta terça-feira (22/4), os procedimentos programados estão, temporariamente, suspensos e seguem em acompanhamento”, disse a Fhemig por meio de nota.