Minutos que já duram 5 anos

Família de uma das vítimas não encontradas quer fim das buscas em Brumadinho

Três das 272 pessoas mortas na tragédia ainda não foram identificadas; bombeiros trabalham dia e noite, com maquinário pesado, para localizar fragmentos destas joias

Por José Vítor Camilo
Publicado em 25 de janeiro de 2024 | 03:00

Tiago Tadeu Mendes da Silva tinha completado 34 anos havia duas semanas quando sua trajetória foi cessada pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Funcionário da empresa, assim como a grande maioria das 272 pessoas mortas naquele 25 de janeiro de 2019, ele é uma das três vítimas cujo corpo ainda não foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros, embora as buscam sigam diariamente.

ados cinco anos da tragédia, a família de Tiago defende o fim da operação de procura pelos restos mortais dele. Daiana Mendes Almeida, 37, é irmã de Tiago e conversou com a imprensa pela primeira vez desde o ocorrido. Ela, seus pais e os outros dois irmãos da vítima, Diego e Deise, fazem parte do grupo que quer o fim das buscas – que, segundo a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina de Córrego do Feijão (Avabrum), conta com a família de outra “joia”, como são chamadas as vítimas da tragédia.

“Talvez, há alguns meses, eu nem cogitaria dizer isso. Mas, agora, completando-se cinco anos, a ficha está caindo. O que eu posso dizer é que a minha família, a família do Tiago, não tem mais esperanças de encontro. O que vai acontecer, daqui a não sei quanto tempo mais de espera, já que pode ser um mês ou outros cinco anos, é, talvez, a identificação do Tiago. Mas identificado ele já está, ele era um trabalhador da empresa, ele estava no local. Ele foi assassinado trabalhando ali”, disse Daiana durante uma longa conversa em que, na maior parte do tempo, sua voz falhava, abafada pelo choro que insistia em sair apesar da resistência dela para não desabar. 

Para ela, já não será possível homenagear ou se despedir do irmão no cemitério onde, desde 2019, sua família adquiriu um jazigo. Isso, porque, segundo Daiana, já não existe mais corpo, mas fragmentos. “O que muito me perturba, me angustia, é não saber o que será feito com o local onde ocorreu o crime. O que será feito com a mina do Córrego do Feijão e com toda a área da mancha da lama? Porque o meu irmão e a maioria das vítimas estão lá. Para mim, lá é o cemitério deles. Eu clamo às autoridades que respondam qual é o destino desse lugar, porque o corpo do meu irmão está ali”, indaga a familiar de Tiago.

Parque ocupará área destruída pela lama

Para a família de Tiago, após as buscas serem encerradas, a área por onde a lama ou deveria ser transformada em um grande parque, uma espécie de “cemitério” para os parentes dos 272 mortos no rompimento homenagearem as vítimas.

“Quero que seja feito ali o verdadeiro cemitério, que a Vale plante muitas flores, muito verde, e que as famílias possam ir ali, que a minha mãe possa fazer as orações para meu irmão, para quando o coração estiver angustiado, a gente possa conversar com ele, sabendo que o Tiago está ali”, finalizou Daiana.

Entretanto, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), é exatamente isso que deverá ocorrer. Conforme a pasta, as áreas diretamente impactadas pela mancha de rejeito serão readas à Prefeitura Municipal de Brumadinho após o término das obras de recuperação ambiental.

“Entre os compromissos assumidos pela Vale, ficou determinado que a empresa deverá assumir a execução da recuperação ambiental que viabilize a criação, a implantação e a manutenção do Parque Municipal Ferro-Carvão”, completou a pasta. 

A área total atingida pela lama é de 302,63 hectares (ha), ou cerca de 280 campos de futebol. Desse total, 33,86 ha são do que restou da barragem e 258,16 ha correspondem à região do córrego Ferro-Carvão. 

Com máquinas pesadas, buscas continuam

Até que haja um consenso entre as famílias das três “joias” ainda não localizadas, o Corpo de Bombeiros seguirá trabalhando, dia e noite, no local. A operação, que completa hoje um total de 1.827 dias de trabalho, registrou sua última identificação de vítima 401 dias atrás, em dezembro de 2022. 

Ouvido na base Bravo, onde os trabalhos acontecem, o porta-voz dos bombeiros, tenente Henrique Barcellos, detalhou como funcionam as buscas. “Já amos por sete estratégias diferentes, estamos na oitava. São cinco estações de busca, que trabalham 24 horas por dia, com uma delas parada para manutenção. Nessas estações é feita a separação dos materiais maiores, refinando até localizarmos o que chamamos de ‘material de interesse’, que podem ser segmentos corpóreos, um crachá, uma carteira”, explicou. 

Em frente a ilustração feita por colega de farga, tenente Henrique Barcellos explica a operação dos bombeiros 5 anos após rompimento

Sobre o desejo de parte das famílias de encerrar as buscas, o porta-voz destacou que a operação só pode ser pautada em parâmetros técnicos, pois a ação também alimenta as perícias investigativas, mas que a corporação sabe que o processo de luto é diferente para cada um. “A participação das famílias é fundamental, eles visitam semanalmente a operação, além de participarem de reuniões mensais”, ponderou.

Durante a entrevista, o militar se lembrou ainda das primeiras horas após o rompimento, quando chegou ao local. “Encontramos funcionários desnorteados, que escaparam. Pedimos para eles chamarem pessoas para trazer tapumes, para fazer trilhas na lama. Um deles mostrou o estacionamento repleto de carros e disse: ‘Não tenho quem chamar. Estão todos soterrados’. Ali, consegui ter uma dimensão da tragédia”, lembrou. 

Vale se comprometeu a não operar no local da tragédia

Por meio de uma nota, a Vale informou que está comprometida a não operar na mina Córrego de Feijão, bem como a não reutilizar os rejeitos removidos na operação dos bombeiros. Todo o material retirado durante as buscas pelos corpos, acabam depositados em uma cava pela mineradora.

“A prioridade continua sendo o apoio ao trabalho do Corpo de Bombeiros na busca pelas três vítimas que ainda não foram encontradas, seguir com o manejo do rejeito e dar sequência ao processo de recuperação ambiental do ribeirão Ferro-Carvão. A definição pelo uso futuro da área será tratada com o avanço das etapas anteriores”, concluiu.