JÁ OUVIU FALAR?

Conheça os bebês reborn, que tomam mamadeira e custam até R$ 8 mil em 'maternidades' de Minas Gerais

Mercado das bonecas realistas, que são feitas de silicone, também é movimentado pela venda de roupinhas e cursos para as “cegonhas”

Por Rodrigo Oliveira
Publicado em 09 de outubro de 2024 | 07:32

As “incubadoras” e os berços por trás dos vidros lembram uma maternidade e a semelhança é intencional. Traz mais realismo à loja e ajuda a cativar a clientela. A única diferença é que os bebês que repousam ali são feitos de silicone e movimentam muito dinheiro em todo o país - apesar de não haver números oficiais. Só na loja Minha Infância, situada no Barreiro, em Belo Horizonte, o negócio dos bebês reborn, cuja aparência se assemelha às crianças de carne e osso, rende em média um faturamento de R$ 40 mil por mês. 

“Isso em meses mais fracos, em que vendemos de 40 a 50 bonecas. Porém, há datas especiais que esquentam o mercado e fazem a gente faturar bem mais. No Dia das Crianças ou no Natal, por exemplo, chegamos a vender o quádruplo disso, podendo chegar a 200 bebês reborn comercializados”, conta a empresária Karen Falcão, de 29 anos. 

Ela é o que podemos chamar de “cegonha”, como são conhecidas as pessoas que trabalham produzindo os bebês reborn. O trabalho é extremamente minucioso e cada detalhe importa. São diversas camadas de tinta, para que a “pele” da bebê pareça real, e o implante dos cabelos é feito fio a fio. “Uma cabeça pode levar 6 horas para ser feita”, diz. 

Neste segmento, a quantidade de detalhes e o realismo agregam valor ao produto. Foto: Fred Magno/O Tempo

O alto número de “bebezinhos” produzidos mensalmente em sua empresa se deve ao caráter familiar do negócio. Diferentemente de algumas “cegonhas”, que produzem sozinhas e não conseguem entregar um volume tão alto, Karen trabalha com o irmão, a cunhada e com a mãe, Cleide, que começou o negócio há 15 anos após ver uma matéria no programa da apresentadora Hebe Camargo. Assim, ela deixou as bonecas “comuns” de lado e ou a se dedicar ao mercado das bebês super realistas. 

“Quanto mais prática a gente adquire, mais rápido o processo se torna. É claro que tudo depende do tipo de bebê que estamos produzindo. Se for um modelo simples, conseguimos entregar até de um dia para o outro. Mas, alguns clientes trazem a foto de um filho e querem um bebê com as mesmas feições. Uma encomenda dessas, com alto nível de detalhes, pode levar até dois meses para ficar pronta.” 

Ter um brinquedo que se assemelha mais a um bebê do que a uma boneca, no entanto, não é exatamente barato. Na “maternidade” de Karen, a mais “em conta” sai em torno de R$ 500, mas há modelos que podem chegar a R$ 4 mil. O alto custo, porém, não assusta as consumidoras apaixonadas por este universo. 

Colecionadores: cliente da "maternidade" de Karen já comprou oito bebês reborn. Foto: Fred Magno/O Tempo

Mãe de Maria Luiza, de 9 anos, a analista logística Regiane Alves entrou neste universo após a filha ver um bebê reborn de uma priminha e pedir uma boneca para chamar de sua, há seis anos atrás. Desde então ela já comprou oito bebês reborn na loja de Karen, com preços que variam entre R$ 400 e R$ 800 cada uma. “Agora ela está me pedindo uma de silicone sólido. É um modelo mais realista e que custa acima dos R$ 3 mil. Já brinquei que vou ter que fazer uma poupança para dar essa de presente para ela”, conta Regiane. 

Além de Belo Horizonte, Karen também vende para cidades de outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro. “Também temos muitos clientes em ville e Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Até para outros países, como Portugal, Estados Unidos e Angola, já enviamos nossos produtos”, conta a “cegonha”.   

Roupinhas garantem retorno dos clientes

Se o negócio faz sucesso na capital, não é diferente no interior. Em Sete Lagoas, a 60 km de Belo Horizonte, fica outra maternidade que pertence à empresária Solange Araujo. O negócio foi fundado por ela há cerca de seis anos após ela comprar uma boneca para a neta e se apaixonar por esse universo. Além dos bebês, que podem custar entre R$ 700 e R$ 8 mil, ela também fatura com a venda de roupinhas para as “mamães” de bebês reborn. 

“A maioria das roupas e órios são de bebês verdadeiros, comprados em lojas voltadas para pessoas mesmo. Também é uma forma de continuar vendendo para nossos clientes. Muitos não podem adquirir outro bebê a curto prazo, então acabam voltando para comprar algo para o bebê que já têm, como se fosse um filho real”, diz. 

Alguns bebês da "maternidade" de Solange Araújo podem chegar a R$ 8 mil. Foto: arquivo pessoal 

Segundo ela, a maioria da clientela é formada por crianças que se tornaram “fãs” após acompanhar a empresa nas redes sociais - são 370 mil seguidores só no Tik Tok. O ritual de venda dos produtos, que emula uma maternidade real, é outro fator que encanta as clientes mirins. Ao “adotar” o bebê, a criança recebe a certidão de nascimento, que inclui o nome e o peso, é instruída sobre o banho do “filho” e realiza a “primeira amamentação”. 

“Quanto mais realismo, mais sucesso o negócio faz. Não é à toa que fazemos vasinhos de sangue, veias e dobrinhas para que as bonecas realmente pareçam um bebê de verdade. Alguns modelos ainda fazem xixi e podem tomar mamadeira de chocolate”, explica. 

Apesar dos altos preços, Solange garante que seu negócio não é tão inível quanto parece. A loja recebe diversas clientes da “classe C”, que economizam muito para realizar o sonho de ter um produto desse tipo. “Já tive crianças que economizaram durante meses para comprar e também realizo consórcios para facilitar a compra.”

Cursos movimentam o mercado 

Com um mercado tão farto, repleto de clientes dispostas a gastar “sem dó” com bebês e roupinhas, é óbvio que muitas mulheres querem vender as bonecas - tanto por amor à arte, quanto por oportunidade de negócio. A empresária Si Fortuna, que atua no ramo há 18 anos, não apenas vende seus produtos como também ensina outras “cegonhas” por meios de diversos cursos online em seu site. Um deles, voltado para a produção de bebês negros, custa em torno de R$ 540. 

Si Fortuna não apenas produz os bebês, como também dá cursos para outras empreendedoras. Foto: arquivo pessoal 

“Comecei dando aulas na minha casa e depois migrei para o digital, já tive mais de mil alunas desde que ei a dar os cursos. Muitas fazem por hobby, conciliando com o emprego, e outras já produzem e querem melhorar. O legal é que é um negócio relativamente barato, que pode ser iniciado em casa. Com menos de R$ 1 mil já é possível começar a produzir e vender”, garante. 

Além disso, algumas das melhores alunas são selecionadas e ganham “o privilégio” de vender seus produtos no site da empresária - como se fosse um marketplace. Hoje, são cerca de 60 alunas vendendo por lá e o casal de gêmeos Lovely e Sweet chega a custar R$ 7.200. Advogada de formação, Si Fortuna chegou a atuar alguns anos no mundo do direito antes de migrar de vez para o mundo dos bebês reborn. O faturamento médio de R$ 30 mil por mês da sua empresa mostra que, pelo menos financeiramente, a troca valeu a pena. 

A empresária também tem plataforma que reúne os produtos das melhores alunas. Foto: arquivo pessoal 

“É um mercado que tem tudo para crescer mais ainda e se manter firme por muitos anos. Bonecas nunca saem de moda. Minha bisavó brincou de boneca, assim como a minha filha, de apenas três anos, também brinca. A diferença é apenas o realismo dos brinquedos, é o que chama a atenção e provoca tanto encantamento”, garante. 

Arte sofre com preconceito 

Apesar do negócio aquecido e dos altos números de faturamento das empresárias, não é todo mundo que compreende ou aceita bem a arte reborn. Segundo Karen, da maternidade Minha Infância, não são raras as vezes em que escuta s pouco carinhosos de pessoas que am em frente a sua loja. “Crítica é o que mais tem. O pessoal fala que parecem crianças mortas”, conta. 

"O preconceito existe. Tem gente que fala que parece criança morta", relata Karen. Foto: Fred Magno/O Tempo

No entanto, do ponto de vista psicológico, faz sentido que muitas pessoas se atraiam por esse hobby. “O realismo do brinquedo traz diferentes sentidos, pode ser a projeção de um bebê que aquela pessoa gostaria de ter ou a lembrança do filho que já cresceu ou que já se foi. Então traz esse fascínio e a possibilidade de viver afetos e emoções de forma lúdica”, explica Jailton Souza, professor de psicologia da Estácio BH.

No entanto, ele alerta que o "excesso de foco" na troca de afeto com os bebês pode levar à uma dependência emocional. "Como se trata de uma boneca, obviamente o bebê não irá crescer e isso pode inclusive atrapalhar o processo de um luto, por exemplo. Ao comprar um bebê reborn, é preciso ter em mente que o brinquedo não vai compensar a perda ou a impossibilidade de ter um filho. São casos que fogem do lúdico e da diversão.”