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Diretor de 'Parasita' lança ficção científica satírica
Com estreia nesta quinta-feira, 'Mickey 17' tem com Robert Pattinson e Mark Ruffalo nos papéis principais
"Mickey 17" fala de muita coisa - inteligência artificial, clonagem, viagem a outros planetas, poder dos evangélicos, discriminação racial, guerras e fome. Baseado em livro de Edward Asthon, o aguardado trabalho de Bong Joon-ho após "Parasita", ganhador do Oscar de 2020, atira para todos os lados. Mas não é para ser levado muito a sério.
Assentado no gênero ficção científica, ado num tempo incerto, quase todo ele dentro de uma espaçonave, o filme é uma sátira, nos moldes de tantos outros trabalhos que abraçaram o absurdo para abordar o futuro da humanidade, como "Doutor Fantástico" (1964), feito no calor da Guerra Fria por Stanley Kubrick, e "Brazil - O Filme" (1985), de Terry Gilliam.
Estreia desta quinta-feira (6) nos cinemas, "Mickey 17" se coloca justamente entre esses dois filmes icônicos do gênero, entre o cientista nazista Strangelove de "Doutor Fantástico" e o tecnocrata Sam Lowry de "Brazil - O Filme". O primeiro nos leva aos personagem do líder e bilionário religioso de Mark Ruffalo, enquanto o segundo é primo do operário Mikey Barnes (Robert Pattinson).
Ruffalo, na pele de Kenneth Marshall, é o governante opressor da colônia Nilfheim. A tecnologia que o cerca lhe empodera a ponto de ver no humano algo descartável - é essa palavra, por sinal, que define a condição de Mickey, que é usado nas situações mais perigosas e morto várias vezes, já que tem sua memória intacta e reimplantada em impressões de seu corpo.
Em outro filme, Mickey seria um herói, por conta de sua imortalidade. Mas a narrativa o resume a uma mera cópia de si mesmo, jogando sempre na cara dele a razão de se permitir a ser um pária, não muito diferente de Sam Lowry, que se sente uma peça perfeitamente substituível na sociedade comandada por máquinas, apenas obedecendo ordens sem qualquer sentido.
Assim como Jonathan Pryce em "Brazil", Pattinson faz um personagem sem nenhum glamour, apático e bobalhão. A mudança imprevista de certas situações os conduz, quase sem querer, à insubordinação. E o simples fato de arem a ser vistos de outra maneira, perseguidos por seus líderes, os põe sob uma outra perspectiva, obrigados a sair do comodismo.
É uma interessante leitura política e social sobre formas de governo autocráticas, em que o diferente é abominado, devendo ser aniquilado. Esse é o grande tema de "Mickey 17", expresso, principalmente, num Marshall que, ao se deparar com seres nativos em Nilfheim, prefere tratá-los como inimigos, reproduzindo assim os conceitos imperialistas de séculos atrás.
Como no aclamado "Parasita", Joon-ho aborda a desigualdade social, o capitalismo selvagem e a necessidade da consciência de classe, agora acrescidos do mau emprego da tecnologia - de nada adianta o progresso científico se é usado para o mal (guerras, em especial) e ível a quem tem recursos. Os demais viram cobaias, parasitas ou alienados.
Alguns dos motores para a transformação de mentalidade dos protagonistas (tanto em "Brazil" como em "Mickey 17") são do sexo feminino. Na produção de Gilliam, é uma mulher confundida como terrorista. No filme de Joon-ho, é uma soldado negra corajosa e inteligente, uma das poucas pessoas a enxergar Mickey com ternura, livre de estereótipos.
Uma das melhores cenas (e também a mais surreal) acontece num jantar que reúne Marshall e Mickey, em que a relação de poder se manifesta da forma mais abjeta e grotesca possível. É curioso pensar que Kubrick filmou uma sequência em "Doutor Fantástico" em que há uma guerra de tortas na Sala de Guerra onde fica Strangelove. Pena qe Kubrick resolveu tirá-la do corte final.
Ruffalo traz um pouco da chave cômica de Peter Sellers (dono de personagens inesquecíveis como o inspetor Clouseau de "A Pantera Cor-de-Rosa", o indiano Bakshi de "Um Convidado Trapalhão " e o protagonista de "Doutor Fantástico") e faz um diálogo com o advogado que interpretou em "Pobres Criaturas" (2023), recheado de vilania burlesca e perturbadora.