COMPORTAMENTO

Conheça os vários lados da adoção de um filho

Mais de 5.000 crianças que estão aptas para serem adotadas no país esperam um lar

Por Milena Geovana
Atualizado em 27 de maio de 2025 | 16:31

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça, 5.256 crianças e adolescentes aguardam hoje, no Brasil, uma família. Embora vista por muitos como um ato de amor, a adoção envolve um processo longo, com etapas jurídicas, muito preparo emocional e disposição para acolher um filho que, muitas vezes, não corresponde ao perfil idealizado.

Um dos maiores receios de quem entra na fila é o tempo de espera. O processo tem cerca de nove etapas, começando pelo envio de documentos, que são analisados pelo Ministério Público. Depois, os pretendentes am por avaliação com uma equipe técnica do Judiciário, na qual falam sobre o perfil desejado da criança. É preciso ainda fazer um curso obrigatório. Só então, após decisão judicial, os pretendentes entram oficialmente no sistema e começam a esperar a compatibilidade com uma criança. Essa fase costuma demorar e segue a ordem cronológica da habilitação. Segundo o CNJ, o sistema tem mais de 33 mil pretendentes cadastrados.

Para o juiz titular da 2ª Vara Cível da Infância e Juventude da Comarca de Belo Horizonte, Marcelo Augusto Lucas Pereira, o perfil buscado é um dos principais fatores para a lentidão da fila. “Crianças acima de 8 anos têm chance muito remota de serem adotadas. A prioridade quase absoluta do brasileiro é por crianças até os 3 anos”, diz.

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Outro ponto, segundo o magistrado, é a prioridade de reintegrar a criança à família biológica. “A lei exige o esgotamento de todas as tentativas antes que a adoção seja possível. Isso também afeta o andamento do processo”, afirma.

Para a psicóloga Roseane Linhares, essa espera pode ser prejudicial inclusive para a criança. “Enquanto o processo não termina, a criança continua com o nome da família biológica, com quem muitas vezes nem se identifica ou carrega uma história de violência”, explica. Ela também atua como psicóloga do Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte (GAABH) e é mãe por adoção de duas crianças.

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Embora o processo seja burocrático, o juiz Marcelo Augusto Lucas Pereira ressalta que todos os cuidados são necessários, já que são os direitos das crianças e adolescentes que estão sendo tratados. “Os prazos legais são exíguos, e eu entendo a exiguidade, acho que ela é necessária mesmo, porque nós estamos tratando de um direito que está protegido por lei. Só que, na prática, existem esses contextos, essa dificuldade oriunda desses fatores e também dos trâmites processuais, que não contribuem”, afirma.

A preparação é essencial. Enquanto o encontro com o filho não acontece, Rosane reforça a importância do preparo. “Faça o enxoval psicológico. Se puder, faça terapia. Participe de grupos de apoio, estude sobre crianças e adolescentes. É um tempo valioso para cuidar de si antes de cuidar do outro”, destaca.

Adoção tardia transforma vidas

Enquanto muitos sonham com um bebê, milhares de crianças acima de 3 anos esperam por um lar. Das mais de 5.000 disponíveis hoje no Brasil, cerca de 85% têm mais de 4 anos, ou seja, se enquadram na classificação de adoção tardia. 

Williams Amaral Nogueira é um desses exemplos, mas teve um final feliz. Ele ou oito anos em um abrigo e só foi adotado aos 18. “Não existe idade para ser filho. O principal é amar”, afirma.

Natural do Recife, ele mora em Belo Horizonte com a mãe, Viviane Amaral, 53, o pai e dois irmãos, que são filhos biológicos do casal. Viviane e seu marido sempre quiseram adotar e tinham certeza de que não queriam um bebê. Em 2017, ao assistir a um vídeo do projeto Adote um Pequeno Torcedor, Viviane viu Williams, então com 17 anos. “Quando o vi pedindo uma família, eu o reconheci como filho”, lembra.

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Williams já se preparava para sair do abrigo quando soube da adoção. “Quando a campanha acabou e ninguém me escolheu, perdi a esperança. Mas Deus é perfeito. Completei 18 anos, e minha família chegou”, diz. Hoje, aos 27 anos, é formado em istração e concluiu um MBA em gestão de projetos. “Antes, eu não tinha sonhos nem para onde ir. Hoje, tenho planos, conquistas, fé no futuro. Família é essencial para caminhar”, afirma.

Para compartilhar sua experiência, criou a página @nascido.45dosegundotempo, na qual mostra a realidade da adoção. “Pretendentes idealizam o filho. Mas essas crianças já têm história. É preciso respeitar isso e dar tempo ao tempo”, diz.

Viviane reconhece que muita gente tem medo da adoção tardia, mas faz uma ressalva. “Abram o coração para adolescentes. Eles querem ser amados, pertencer a uma família. Não idealizem, mesmo quando tem a adoção de um bebê, porque até ele vem com traumas da rejeição. A adoção de um adolescente foi, para mim, uma das experiências mais incríveis da vida”, relata.