Vídeo apreendido pela Polícia Federal (PF) mostra o então presidente Jair Bolsonaro (PL) dizendo a todos os seus ministros que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse “uma grande guerrilha”. A gravação é de uma reunião da alta cúpula do governo, realizada em 5 de julho de 2022, no Palácio do Planalto.
As imagens, divulgadas pelo colunista Bela Megale, do jornal O Globo, nesta sexta-feira (9), serviram de provas para a PF conseguir os mandados de busca, apreensão e prisão usados na operação desencadeada na quinta-feira (8) e que teve o ex-presidente, generais e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, entre os alvos. Costa Neto foi preso porque, no cumprimento do mandado de busca e apreensão, agentes encontraram na casa dele uma arma sem registro.
Na reunião ministerial, Bolsonaro ordenou ação dos ministros para tentar reverter o quadro eleitoral, antes da realização do pleito. Aparentemente nervoso, o presidente disparou ofensas e palavrões, e chegou a jogar os óculos na mesa. Em um dos trechos divulgados, ele exige o envolvimento de todos numa campanha para desmoralizar o sistema eleitoral, itindo que não iria vencer nas urnas, mesmo a quatro meses da votação.
“Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições”, disse Bolsonaro.
Para impedir a, segundo ele, iminente vitória e posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro propôs a redação de um documento afirmando ser impossível “definir a lisura das eleições”. Ele cobra inclusive a inclusão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na tentativa de impedir a realização da eleição.
"Todos aqui têm uma inteligência bem acima da média. Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder. Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado. Eu parei de falar em voto imp... e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes", emendou o então presidente.
Em um outro momento, mais irritado, ele cobra de forma mais contundente os ministros: "Vocês sabem o que está acontecendo. Achando que esses caras estão de brincadeira? 'Ah, vamos lá...' Não estão de brincadeira. O que está em jogo é o bem maior que nós temos e contamos aqui na terra, que é a porra da liberdade. Mais claro, impossível. Nós [inaudível] vamos ter que reagir".
Em outro trecho do vídeo, Bolsonaro diz que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cometeu um erro ao convidar as Forças Armadas para integrar a Comissão de Transparência das Eleições. A medida visava justamente afastar qualquer dúvida sobre a regularidade do sistema eleitoral brasileiro.
“Eles erraram [ao incluir as Forças Armadas]. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que sou o chefe supremo das Forças Armadas?”, afirmou o presidente, em meio aos ministros, que ouvem tudo calados.
Bolsonaro citou os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Disse que eles estavam “preparando tudo para o Lula ganhar no primeiro turno” – o petista venceu Bolsonaro no segundo turno.
“Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar levanta o braço. Acredita que são pessoas isentas, que tão preocupadas em fazer justiça, seguir a Constituição?”, disse. Ninguém se manifestou.
Em seguida, ele referiu-se à cadeira presidencial como uma “cagada”. E emendou: “cagada do bem”. "Como é que eu ganho uma eleição, um fodido como eu? Deputado do baixo clero, escrotizado dentro da Câmara, sacaneado, gozado, uma porra de um deputado", afirmou.
Outro que falou em tom exaltado na mesma reunião foi o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Assim como Bolsonaro, ele disse que todos deveriam se envolver para evitar a realização da eleição presidencial. Falou em “virar a mesa”.
“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, afirmou Heleno. VAR é o sistema de vídeo usado em jogos de futebol para revisar lances polêmicos, como pênaltis.
Também discursaram no mesmo encontro os então ministros da Justiça, Anderson Torres, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Nogueira afirmou que o TSE era “inimigo” do governo. Assim como Bolsonaro e Heleno, Torres e Nogueira foram alvos da operação de quinta-feira.
Para a PF, as imagens, que têm mais de uma hora de duração, revelam “o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo”. A descrição da reunião ocupa mais de 10 páginas da decisão assinada por Alexandre de Moraes e que resultou na operação Tempus Veritatus, deflagrada na quinta-feira. Ao todo, foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva.
No relatório apresentado à PGR e ao STF, a PF enumerou os núcleos de atuação do grupo existentes e atuantes para operacionalizar medidas para desacreditar o processo eleitoral; planejamento e execução do golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito; com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder:
Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.
Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a "audiência" militar.
Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado.
Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.
Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da do decreto de golpe de Estado.
Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.
Mandados de busca e apreensão
Mandados de prisão
Medidas cautelares que podem incluir apreensão de aporte e/ou proibição de manter contato com os demais investigados